23 de novembro de 2024

A lógica do realismo clássico

Breno Rodrigo de Messias Leite*

O realismo político é uma abordagem teórica da ciência política, geopolítica, relações internacionais e da diplomacia que enfatiza uma visão pessimista da natureza humana. De acordo com a tradição realista, os indivíduos não mudam em sua essência e são egoístas no seu modo de ver e atuar no mundo.

Nas relações internacionais, os principais atores são os Estados, que perseguem seus próprios interesses estratégicos e sua própria segurança intra-estatal em nome do interesse nacional. Entende-se que a política internacional é competitiva e conflitiva, em contraste com as ideias do liberalismo e idealismo que possuem uma visão mais otimista e cooperativa da ordem internacional.

O realismo nasce e renasce em diferentes momentos da história: em Tucídides, explora-se a importância do poder; em Maquiavel, a crítica à moral; e em Hobbes, o estado de natureza anárquico. Em cada uma das perspectivas são citados elementos-base para o desenvolvimento do realismo político: as relações de poder, o foco no interesse próprio e a natureza humana egoísta.

A Importância do poder no contexto realista foi descrito primeiramente por Tucídides no seu estudo sobre a guerra entre Atenas e Esparta entre 431 e 404 a.C., e que futuramente serviria de inspiração para os textos clássicos das relações internacionais. Os realistas enfatizam as restrições impostas pela natureza humana e a abstinência de um governo internacional, o que contribui para um paradigma baseado em conflitos, onde poder e segurança se tornam prioridades e sobra pouco espaço para moralidade, a exemplo da História da Guerra do Peloponeso.

Enquanto Nicolau Maquiavel critica a tradição moral, com a os conceitos de virtù e fortuna, em que virtù é a habilidade de governar e levar a nação e o indivíduo ao poder e à glória. Maquiavel nega a moralidade para justificar suas ações em prol de algo maior (poder político unificado no Estado nacional), mesmo que sejam imorais.

Apesar de Tucídides ter sido o primeiro a escrever a respeito dos elementos comuns que constituem o realismo, até então não intitulado com esse nome, é o inglês Thomas Hobbes quem constrói a base da teoria realista com seu conceito sobre a natureza humana, em que o homem é o lobo do homem, a guerra de todos contra todos, onde o homem é um ser egoísta e mau por natureza. Sendo necessário se criar um contrato social em que o Estado é responsável pela manutenção da ordem.

Para entender o realismo é necessário primeiramente avaliar o conceito de anarquia internacional e a falta de um governo internacional. Uma vez que todos os Estados são as entidades soberanas e os atores no cenário internacional, não há como haver uma entidade superior aos mesmos, pois assim comprometeria sua soberania. Todavia, a ausência desse governo internacional constitui a chamada anarquia internacional.

Os três autores clássicos citados foram as principais inspirações para que Edward Hallett Carr começasse a formular, juntamente com Hans Morgenthau, a abordagem realista nas relações internacionais. O realismo surge em contraponto ao idealismo, desenvolvido através do pensamento de Woodrow Wilson no pós-Primeira Guerra mundial, que acredita na cooperação através da busca do bem-estar coletivo no qual os indivíduos são cordiais e cooperativos por natureza.

Carr apresenta as ideais do realismo político diretamente em contradição ao idealismo, descrito como utópico, questionando diretamente a ideia de harmonia de interesses e, consequentemente, da Liga das Nações. Segundo Carr, os ideais são utópicos, pois ignoram a natureza conflitiva nas relações interestatais pautadas na luta pelo poder. Desta forma, a prevalência dessa utopia no período entre as duas guerras que acarretou em uma nova guerra. A política internacional estaria pautada em uma política de poder, este que é um elemento essencial da política.

Carr não nega a importância da busca pela paz. Porém, a paz, para a teoria, é entendida como ausência de guerra, ou seja, a paz negativa. O Estado, percebendo que a participação em muitos conflitos pode resultar no seu fim, através do equilíbrio de poder entre os conflitantes, busca não realizar guerras.

Enquanto para Morgenthau, a luta pelo poder e pela paz busca renovar conceitos relacionados à relação entre os Estados, onde para o autor, o desejo de dominar é a maior causa do conflito. Morgenthau também propõe seis princípios básicos para a Política Internacional em sua obra previamente citada: 1) A política obedece às leis objetivas que são frutos da lei humana; 2) O interesse dos Estados é sempre configurado em termos de poder; 3) As relações entre nas nações sempre foram definidas em termos de poder; 4) O realismo político conhece o significado moral da ação política e reconhece a tensão entre os preceitos morais e as exigências para que uma ação política tenha êxito; 5) Os princípios morais de uma nação não são universais, são particulares; 6) A esfera política é autônoma, não estando sujeito a nenhuma outra ciência. A política internacional possui suas próprias leis e regras. 

O realismo político possui, portanto, uma visão objetiva e cientificista, que acredita que a política é governada por leis objetivas, onde o Estado é um ator racional e sabe distinguir o que é objetivo e o que é desejo. Uma política racional, maximiza vantagens e reduz os riscos. 

O desenvolvimento das vertentes idealistas e realistas contribuiu diretamente no crescimento da geopolítica no período pós-Segunda Guerra, onde o mundo estava começando a se dividir em diversas vertentes no que eventualmente se tornaria a Guerra Fria. Desta forma, a geopolítica e ciência política começariam a ganhar força com os impulsos da abordagem realista e neorrealista.

*é cientista político

Breno Rodrigo

É cientista político e professor de política internacional do diplô MANAUS. E-mail: [email protected]

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