O encontro de Volodymyr Zelensky com Donald Trump entrou para os anais da história como um dos momentos mais constrangedores protagonizados por dois chefes de Estado. Não tenho memória ou referência histórica de uma situação tão vexatória e humilhante para um líder nacional. A diplomacia do trash talk foi instaurada ali, no Salão Oval, ao vivo, diante das câmeras de televisão, permitindo que o mundo testemunhasse a execração pública do presidente ucraniano, representante de uma nação que enfrenta a mais terrível guerra de atrito desde o fim da Segunda Guerra Mundial.
Para aqueles atentos aos sinais políticos e estratégicos, o pronunciamento incisivo de Donald Trump e J. D. Vance dirigidos a Zelensky representou uma mensagem cristalina: os Estados Unidos não estavam mais dispostos a se engajar política e militarmente na Guerra da Ucrânia. Esse posicionamento foi um aviso inequívoco a todos os agentes envolvidos nas arenas fundamentais — econômico, militar, diplomático e político — de que o conflito mais longo e letal na Europa desde a Segunda Guerra deveria ter um desfecho imediato.
A partir desse momento, toda a estratégia de apaziguamento da diplomacia norte-americana em relação ao conflito militar passou a girar em torno de três pilares centrais: desacreditar a legitimidade da liderança ucraniana; criticar abertamente a aliança transatlântica com os países europeus; e, em seguida, iniciar uma negociação unilateral com as autoridades diplomáticas russas.
Com essa mudança radical dos Estados Unidos, os países europeus passaram a enfrentar um declínio significativo em sua influência na definição da estratégia global de segurança e de defesa. A divisão interna dentro da Europa tornou-se evidente: enquanto alguns países, como França, Reino Unido e Alemanha, defendem uma abordagem ofensiva para conter o avanço russo e dificultar um acordo de cessar-fogo, outros atores, mais alinhados à diplomacia pragmática, tentam encontrar vias objetivas para o armistício ou mesmo para uma solução negociada do conflito em curso.
A fragmentação da postura europeia também revela uma crise de liderança dentro do bloco. A dependência histórica da cobertura de proteção militar norte-americana expõe em larga escala a vulnerabilidade da União Europeia, que agora precisa reconsiderar sua estratégia de defesa, de segurança e sua autonomia dentro do contexto global. Por óbvio, a Europa está longe de ter uma estratégia unificada em relação à Guerra da Ucrânia. As divergências internas refletem diferenças históricas, políticas, étnicas e econômicas entre as principais potências do continente.
A França, por exemplo, tem adotado uma postura de liderança militar dentro da Europa, especialmente após a retração dos Estados Unidos no apoio irrestrito à Ucrânia. Emmanuel Macron tem defendido a necessidade de uma Europa mais autônoma em defesa e segurança, propondo até mesmo o envio de tropas ocidentais ao front ucraniano, algo que gerou desconforto e temor de seus parceiros. A França também é um dos principais fornecedores de armamentos a Kiev e tem pressionado a OTAN a manter o apoio militar ativo.
Já a Alemanha, a cabeça financeira e econômica do Velho Continente, adota uma abordagem mais pragmática e cautelosa. Como maior economia da Europa, Berlim precisa equilibrar seu compromisso com a Ucrânia e os desafios internos, incluindo os impactos econômicos da guerra, como a crise energética resultante das sanções à Rússia. O governo de Olaf Scholz inicialmente hesitou em enviar armas pesadas, mas acabou se tornando um dos principais financiadores da resistência ucraniana. No entanto, há uma crescente pressão interna para encontrar uma solução diplomática que encerre o conflito e estabilize os mercados, sobretudo do setor energético.
O Reino Unido tem sido um dos aliados mais ferrenhos da Ucrânia, adotando uma postura agressiva contra a Rússia. Desde o governo de Boris Johnson até Keir Starmer, o atual primeiro-ministro, o país tem fornecido armamentos avançados, treinado tropas ucranianas e mantido uma retórica dura contra o Kremlin. A política externa britânica ainda segue fortemente alinhada aos Estados Unidos, mesmo diante de sinais de desgaste no apoio norte-americano ao conflito.
Enquanto essas três potências europeias têm liderado a resposta ao conflito, a União Europeia, como um todo, não segue uma estratégia comum de defesa. O bloco está profundamente dividido entre os países que apoiam o prolongamento da guerra até a derrota completa da Rússia e aqueles que defendem uma solução negociada. O governo húngaro tem sido abertamente crítico às sanções contra a Rússia e pede negociações de paz; a Turquia tem buscado um papel de mediador, facilitando acordos, como a exportação de grãos ucranianos; e Roma tem sinalizado interesse em uma resolução negociada que reduza os impactos econômicos da guerra. Assim, o cenário europeu permanece fragmentado, e qualquer solução para a guerra dependerá da capacidade dessas potências de alinhar suas estratégias e conciliar interesses divergentes.
Com a retração da influência dos Estados Unidos e a divisão europeia, novos atores emergem como peças-chave na reconstrução da ordem global. O encontro em Riad, na Arábia Saudita, entre o chefe da chancelaria norte-americana, Marco Rubio, e o chanceler russo, Sergey Lavrov, simboliza um novo paradigma diplomático da parceria entre as duas superpotências. A Arábia Saudita, não nos esqueçamos, posiciona-se cada vez mais como mediadora regional e internacional, reforçando assim o seu papel-chave na mudança para uma ordem multipolar.
Diante desse novo tabuleiro geopolítico, observa-se uma maior fragmentação das alianças tradicionais e o fortalecimento de potências regionais que antes desempenhavam um papel secundário nos acordos e negociações de paz. A guerra na Ucrânia não apenas redefiniu as relações entre os países ocidentais e a Rússia, mas também acelerou a transformação da estrutura de poder global, onde novas potências desafiam a hegemonia tradicional do ocidente coletivo. O desfecho natural desse conflito e suas repercussões internacionais determinarão os contornos dessa nova ordem mundial. O mundo observa, atento ao curso dos acontecimentos, os próximos passos dos protagonistas desse cenário turbulento, onde a diplomacia e a guerra continuam a travar uma batalha silenciosa pelo futuro da política internacional.
É sempre bom lembrar a mensagem de O Nome da Rosa, obra-prima do italiano Umberto Eco: “Em Paris, será que eles têm sempre a resposta verdadeira? – ‘Nunca’, disse William, ‘mas eles estão muito seguros dos seus erros’”.
*é cientista político