Em 1904, a varíola se alastrava no Rio de Janeiro com aproximadamente 1.800 pessoas internadas no Hospital São Sebastião. “Mesmo assim, as camadas populares rejeitavam a vacina, que consistia no líquido de pústulas de vacas doentes. Afinal, era esquisita a ideia de ser inoculado com esse líquido. E ainda corria o boato de que quem se vacinava ficava com feições bovinas”. Oswaldo Cruz, que empresta o nome à Fiocruz, “motivou o governo a enviar ao Congresso um projeto para reinstaurar a obrigatoriedade da vacinação em todo o território nacional”. Houve revolta popular, militar e ação de forças políticas que queriam depor o presidente Rodrigues Alves. Na época foi criada a “Liga Contra a Vacinação Obrigatória”, e os cadetes da Escola Militar da Praia Vermelha se amotinaram. “Após um saldo total de 945 prisões, 461 deportados, 110 feridos e 30 mortos em menos de duas semanas de conflitos, Rodrigues Alves se viu obrigado a desistir da vacinação obrigatória. Mais tarde, em 1908, quando o Rio foi atingido pela mais violenta epidemia de varíola de sua história, o povo correu para ser vacinado, em um episódio avesso à Revolta da Vacina” (Fiocruz).
Pois bem. Ninguém minimante razoável pode negar os avanços da medicina e das pesquisas científicas nos últimos 116 anos, sendo patente as melhoras que trouxeram às nossas vidas. Basta lembrar que em 1904 a expectativa de vida do brasileiro era de 34 anos; hoje, a estimativa está próxima de 76 anos. Embora vários fatores tenham influenciado nessa sobrevida, é impossível negar o impacto das vacinas. De acordo com a Organização Mundial de Saúde, a vacinação salva 3 milhões de pessoas por ano; somente a vacina contra o sarampo, entre 2000 e 2015, foi responsável por poupar 20,3 milhões de vidas no mundo, informa a Fiocruz. É compreensível que as pessoas, em 1904, tivessem medos e reservas quanto a um “líquido de pústulas de vacas doentes” e que poderia deixá-los com “feições bovinas”. Interessante! Em 2020, não. Cuida-se de estupidez pura e simples, a demonstrar que essas pessoas estão aprisionadas em “cavernas”, necessitando de “luz”, de conhecimento. Há ainda a possibilidade real de politicagem da pior espécie.
O Brasil, segundo dados do próprio governo federal, distribui gratuitamente 25 tipos de vacinas, destinadas a imunização de pessoas contra a varíola, o sarampo, paralisia infantil, rubéola e difteria, dentre outras. Isso, contudo, não impediu que se identificasse a queda nas coberturas vacinais, ensejando o ressurgimento de doenças evitáveis, inclusive no Amazonas. Hoje se observa que há também um movimento antivacinas, à moda do braço ideológico (?) da antiga “Liga contra a Vacinação Obrigatória”, de 1904.
O assunto foi desaguar na Suprema Corte que, em sede repercussão geral, responderá se os pais, que têm o dever legal de proteger e cuidar de seus filhos, poderão deixar de vaciná-los colocando suas vidas em risco, em razão de convicções filosóficas, religiosas, morais e existenciais.
Espero que a decisão seja em favor da vida de pessoas inocentes que ainda não podem fazer suas escolhas.