23 de novembro de 2024

A revolução silenciosa do Hidrogênio

A revolução do Hidrogênio está em curso. Países líderes já adotam políticas ousadas para liderar essa transição energética sustentável. Este artigo traz uma visão geral desse cenário global em ebulição, abordando os tipos de hidrogênio, a cadeia de valor do hidrogênio verde e apresenta fontes contendo as principais políticas e centenas de projetos espalhados pelo planeta. 

Em 2019, a UNESCO comemorou os 150 anos de criação da Tabela periódica, com uma homenagem justa ao seu criador Dmitri Mendeleev. Quem se lembra desta tabela sabe que o 1º elemento dela é o Hidrogênio, considerado um dos elementos mais abundantes no universo, presente desde a formação de moléculas simples até na fusão nuclear das estrelas. No entanto, em sua forma pura, o Hidrogênio é raro na atmosfera terrestre, pois sendo muito leve acaba escapando da gravidade. No entanto, ele é encontrado quase que exclusivamente em compostos tais como em moléculas de água, combustíveis fósseis etc.

O Hidrogênio pode ser extraído desses compostos, mas isso demanda energia. Para tornar mais compreensíveis os métodos de produção, três categorias de cores (cinza, azul e verde) estão descritas abaixo, com parte da explicação retirada da Agência Internacional de Energia Renovável (IRENA) <http://tinyurl.com/45vmja8s>.

HC) O Hidrogênio cinza é produzido com combustíveis fósseis, a partir de metano usando reforma de metano a vapor ou gaseificação de carvão, liberando CO2, tornando tecnologias destes processos inadequadas para atingir emissões líquidas zero. Além disso, o uso de gás fóssil traz o risco de vazamentos de metano, um potente gás de efeito estufa. Cerca de três quartos do hidrogênio são atualmente produzidos a partir de gás fóssil. Algumas das aplicações são: a) refino do petróleo para produzir a gasolina e outros derivados; b)  produção de amônia para gerar fertilizantes nitrogenados; c) produção do metanol; d) purificação de biocombustíveis; e) soldagem e fabricação de metais etc;

HA) Hidrogênio azul: tem o mesmo processo de produção que o hidrogênio cinza, mas é complementado por captura e armazenamento de carbono. O hidrogênio azul pode resultar em emissões mais baixas de gases de efeito estufa, mas apenas se o vazamento de metano não exceder 0,2%, com captura de carbono próxima a 100%. Entre as aplicações estão: f) seu uso como matéria prima para a produção da amônia e outros produtos químicos; g) refino de petróleo envolvendo o craqueamento e hidrotratamento; h) geração de energia em turbinas  a gás ou em células a combustível  para gerar eletricidade; i) no transporte como combustível para veículos movidos à célula de combustível. 

A implementação bem-sucedida do Hidrogênio azul ainda enfrenta desafios técnicos, econômicos e regulatórios, onde o custo e a eficiência da captura e armazenamento de CO2 ainda são gargalos não equacionados.

HV) Já o Hidrogênio verde é produzido a partir de energia renovável, sendo o mais recomendado para uma transição de energia totalmente sustentável. A opção tecnológica mais estabelecida para produzir Hidrogênio verde é a eletrólise da água alimentada por eletricidade renovável. Outras soluções baseadas em energias renováveis para produzir hidrogênio são possíveis, mas essas tecnologias ainda não estão maduras tecnicamente para produção em escala comercial.

Uma cadeia básica de valor do Hidrogênio Verde envolve a Produção, o Armazenamento, o  Transporte e o Uso. Na produção via eletrólise, o Hidrogênio Verde é produzido por meio da eletrólise da água, usando eletricidade gerada por fontes como energia solar ou eólica. Neste processo, o eletrolisador divide a água (H2O) em Hidrogênio (H2) e Oxigênio (O2), sem emissão de gases de efeito estufa. Depois, o Hidrogênio produzido é comprimido ou liquefeito para facilitar o armazenamento e o transporte eficientes. Isso é crucial, pois o Hidrogênio é leve e tem baixa densidade energética, então seu armazenamento requer soluções específicas. Em termos de transporte, o Hidrogênio pode ser levado por meio de dutos, tanques de alta pressão ou até mesmo em forma líquida, dependendo da distância e das condições específicas.

Quanto ao uso, o Hidrogênio verde pode ser aplicado em inúmeros setores, tais como Indústria (aço, química, refinarias), no Transporte (cargueiros, aviação, carros, trens, caminhões, ônibus), Sistemas de aquecimento, Geração de Energia etc.  Por exemplo, na indústria, o Hidrogênio Verde pode ser aplicado na produção de aço. Neste sentido, recomenda-se ler este resumo do Parlamento da União Europeia sobre o potencial do Hidrogênio para descarbonizar a produção do aço <http://tinyurl.com/nnjf6892>, bem como acompanhar os testes da plantas fabris pilotos que estão acontecendo em países que já largaram na frente, tais como a Austrália <http://tinyurl.com/44tmrbvc>, a China <http://tinyurl.com/2ayfn2ca>, a Itália < http://tinyurl.com/5dx5ryb5> ou Suécia < http://tinyurl.com/mvucuw2m e http://tinyurl.com/23m8d92w>.

Em termos de políticas públicas, com base no que tem ocorrido em países bem-sucedidos, acredito que as mais eficazes são as políticas nacionais de Estado, ou seja, que não sejam descontinuadas por qualquer novo governo eleito, como infelizmente acontece em países atrasados como o Brasil. São políticas de longo prazo, com diagnósticos, metas claras, que gerem mudanças graduais, segurança para o investidor e empresariado, incluindo investimentos em P&D para produzir soluções e reduzir os custos do Hidrogênio Verde. Além disso, há necessidade de incentivos fiscais, marcos regulatórios claros envolvendo toda a cadeia do Hidrogênio Verde, financiamentos e linhas de créditos para facilitar o acesso ao capital, parcerias público-privadas para a construção da infraestrutura necessária, programas de formação profissional, bem como cooperação internacional para transferência de know-how etc.

Em termos de políticas públicas nacionais, o Japão foi o primeiro a adotar tal postura, quando publicou em 2017, o “Basic Hydrogen Strategy” <http://tinyurl.com/bdz6ftsr>. Desde então o Japão vem implementando metas e ações ambiciosas para desenvolver uma economia do hidrogênio, conforme detalhado em artigos já publicados no JCAM <http://tinyurl.com/2p9at2cd, http://tinyurl.com/3shms8kb, http://tinyurl.com/3m8bdp4e>. Neste sentido, agradeço novamente ao Governo japonês pela oportunidade de dialogar e conhecer in loco as boas práticas da Sociedade 5.0 e de descarbonização de sua economia, cujo relatório eletrônico está disponível em três idiomas pelo site <http://tinyurl.com/5am3sz8a>.

Segundo a IRENA, mais de 30 países já formularam ou estão preparando estratégias nacionais para o Hidrogênio, e esta organização tem preparado diretrizes < http://tinyurl.com/43tspt5z> para ajudar formuladores de políticas públicas sobre o assunto. Além dela, a Agência Internacional de Energia disponibiliza um banco de dados eletrônico <http://tinyurl.com/y8fs5zth> contendo 58 políticas públicas espalhadas pelo globo, bem como um mapa interativo <http://tinyurl.com/3nerpy3x> contendo 1894 projetos que estão em andamento ou em fase conceitual para a produção de Hidrogênio.

Finalmente, há evidências de que o elemento número 1 da tabela periódica pode estar fazendo uma revolução silenciosa na transição energética em nosso planeta. Então, resta saber quando o Governo do Brasil, e em especial o Governo do Estado do Amazonas, romperá com o atraso, se posicionará e tirará proveito dessa tendência, dado o enorme potencial da região em recursos renováveis como energia solar e hídrica, essenciais para a produção de hidrogênio verde de forma competitiva e sustentável.

Jonas Gomes

Prof. Dr. Jonas Gomes da Silva - Professor Associado do Dep. de Engenharia de Produção com Pós Doutorado iniciado no ano de 2020 em Inovação pela Escola de Negócios da Universidade de Manchester. E-mail: [email protected].

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