Daniel Borges Nava*
*Geólogo, Analista Ambiental, Professor Doutor em Ciências Ambientais e Sustentabilidade na Amazônia e Pesquisador do Grupo de Pesquisa Química Aplicada à Tecnologia da UEA.
Nos últimos sessenta anos, temos assistido no continente amazônico uma história neoextrativista, com pouca ou nenhuma governança socioambiental territorial, tampouco respeito pelas populações e pertencimento ao Bioma. Os resultados da falta de uma política de desenvolvimento sustentável na Amazônia estão refletidos numa economia de enclaves, no baixo crescimento econômico de longo prazo, na vulnerabilidade das áreas protegidas, institucionalizadas para a defesa do território da floresta e de seus povos, bem como, nos indicadores de desenvolvimento humano pífios, associados a impactos e conflitos sociais e ambientais negligenciados.
Embora existam iniciativas importantes na história do pensamento estratégico amazônico: em 1988, a PETROBRAS – Petróleo Brasileiro S.A., antes de começar a produção de petróleo na Província de Urucu, convidou e contratou estudos de um grupo de pesquisadores renomados com reconhecida atuação na Amazônia para orientar a intervenção do sistema produtivo na área, no sentido de prevenir ou mitigar impactos negativos ao meio ambiente e possíveis distorções econômicas e sociais às populações circunvizinhas; em 1998, a criação da Floresta Nacional de Carajás, uma área de 391.263,04 hectares no Pará, deu-se a partir do pacto econômico firmado com as minas de ferro da mineradora Vale, localizadas dentro da Unidade de Conservação, para a proteção e controle ambiental do território; e, a recente relação tributária de investimentos do Polo Industrial de Manaus – PIM na sustentabilidade orçamentária das atividades de produção do conhecimento e formação de recursos humanos da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), devo concordar com a Ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima Marina Silva em sua entrevista à CNN (fonte: https://www.cnnbrasil.com.br/economia/macroeconomia/marina-quer-modelo-de-licenciamento-da-foz-do-amazonas-em-obra-polemica-de-rodovia/), tem faltado uma Avaliação Ambiental Estratégica aos projetos estruturantes e propostas econômicas na Amazônia.
No contraponto aos enclaves econômicos existentes, as condições operacionais e de sobrevivência para novos projetos (como o petrolífero na foz do Rio Amazonas, a planta minero-industrial do potássio, a Estrada-Parque BR-319) e, também, para os vigentes (a mineração de grande porte, as cidades, hidrelétricas, estradas, hidrovias, a produção agropecuária, o PIM/Zona Franca de Manaus, entre outros) passam pela urgente (re)visão estratégica da sustentabilidade na Amazônia.
As cidades amazônicas reproduzem a ausência ou desrespeito aos seus Planos Diretores, que deveriam, por princípio, impor a conservação dos recursos naturais. Manaus, a metrópole localizada no coração da floresta, sendo o quinto maior Produto Interno Bruto – PIB brasileiro (dados de 2023 da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação – SEDECTI), continua destruindo matas, matando igarapés, desrespeitando conceitos básicos de cidadania. Acesse no Portal da Transparência o atual orçamento manauara dedicado ao meio ambiente e tire suas conclusões…
A Zona Franca de Manaus permanece dependente dos incentivos tributários originários, carente, por exemplo, de um Programa Político Institucional da SUFRAMA em ESG (governança socioambiental) que promova o Plano Diretor de Saneamento Básico do Distrito Industrial, destaque as ações e investimentos da indústria na conservação florestal e dos recursos hídricos, e na qualidade de vida das pessoas, de forma a agregar o selo de compromisso com a sustentabilidade da Amazônia aos nossos produtos industrializados.
As estradas na Amazônia constituem, histórica e claramente, vetores do desmatamento e grilagem de terras públicas. A proposta da Estrada-Parque BR-319, que se defende dentro do conceito da Avaliação Ambiental Estratégica, não pode replicar o modelo da BR-174 que, nas décadas de 1960 e 1970, quase provocou o genocídio do povo Waimiri-Atroari, nem permitir o pensamento reducionista, limitando-a como eixo de integração frente ao isolamento logístico.
Para pensar fora do discurso raso, recomendo a leitura do estudo Agenda de Desenvolvimento Territorial para a região da BR-319, fortalecendo territórios de bem viver do Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getúlio Vargas, publicado em 2022, que propôs diretrizes fundamentais a serem respeitadas na revitalização rodoviária projetada, entre elas: fortalecimento do controle ambiental e proteção territorial; fortalecimento da infraestrutura socioterritorial e qualidade ambiental; mecanismo de segurança pública para preservação da vida e do meio ambiente; promoção e conservação dos modos de vida para o bem viver. No processo de licenciamento ambiental, consolidadas tais garantias, conectamos o conceito da Estrada-Parque BR-319 – um “caminho de particular interesse da sociedade por ser representativo de uma importância cênica, turística, ambiental, recreativa, cultural, natural, histórica ou arqueológica da região” -, com a visão sustentável da Amazônia, protegida, requerida pelo IBAMA, reproduzida na fala da Ministra Marina Silva.
E podemos fazer mais: revitalizar a Estrada-Parque BR-319 dentro de um programa político de desenvolvimento econômico inovador de imersão turístico-cultural na Amazônia Brasileira. Para tanto, precisaríamos agregar na proposta de Avaliação Ambiental Estratégica da Estrada-Parque BR-319 alguns conceitos praticados no Brasil e no mundo: 1) a rodovia como Área de Especial Interesse Turístico, semelhantemente como o estado do Mato Grosso pratica na conservação do Bioma Pantanal; 2) a rodovia como Área de Especial Interesse Cultural, pelas riquezas do bem-viver amazônico reconhecidas intrinsecamente nas populações indígenas e tradicionais locais do estado do Amazonas, assim como a Espanha propõe e incentiva nos vários Caminhos de Santiago de Compostela; 3) a rodovia integrada ao modelo da National Scenic Byways (America’s Byways®), que resgata o princípio de estradas para o coração e a alma da América, uma espiritualidade amazônica sul-americana, latente e desconhecida pelos brasileiros e visitantes internacionais.
Antes da crítica pela crítica, na construção coletiva do como fazer, proposta pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, é preciso conceber e operar projetos na Amazônia com a máxima responsabilidade ambiental, reconhecendo as estratégias de sustentabilidade do Bioma. Quem vive ou ama a Amazônia, deve cuidar das estradas, das cidades, dos rios e igarapés, da floresta e das pessoas.
Tal recomendação serve ao nosso território, como também para qualquer lugar do planeta.
Nossa solidariedade constante ao povo gaúcho na reconstrução de suas vidas e cidades.