Os anos 80, para minha geração, foi a era de ouro do rock nacional e as músicas dessa época são a trilha sonora das minhas inquietações. Não nego que Legião Urbana é a banda “carro-chefe”, tanto que uma canção está martelando na minha cabeça nos últimos dias, com o trecho: “a violência é tão fascinante e nossas vidas são tão normais…”.
Realmente parecer que a violência é realmente fascinante para nós. Segundo o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) o Brasil registra uma média anual de 30 mil óbitos por acidentes de trânsito, quase 80 mortes por dia. Em relação a homicídios o Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública apontam a ocorrência de quase 44 mil assassinatos em 2020, média diária de 120 mortes.
O Observatório Nacional de Segurança Viária (ONSV) alerta que 90% dos acidentes de trânsito ocorrem por falha humana, envolvendo excesso de velocidade, uso do celular, embriaguez, falta de capacete e outros desrespeitos à legislação. Esses acidentes, além das mortes, causam prejuízos econômicos para o país, que desperdiça todo ano 3% do seu Produto Interno Bruto (PIB), cerca de R$ 220 bilhões, para pagar o socorro de vítimas, tratamentos médicos, investigações, reabilitações e seguros, de acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS).
Sobre os homicídios o Atlas da Violência produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) aponta que a maioria dos homicídios masculinos e femininos foram cometidos com a utilização de arma de fogo, com percentuais de 77,1% e 53,7%, respectivamente. Em segundo lugar os instrumentos cortantes foram as armas mais usadas para matar. O Atlas também dá uma informação interessante sobre as armas de fogo ao constatar que o número de homicídios crescia 5,44% ao ano nos 14 anos anteriores ao Estatuto do Desarmamento e nos 14 anos posteriores, caiu para 0,85%.
O Relatório de Conjuntura “Custos Econômicos da Criminalidade no Brasil” da Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos da Secretaria-Geral da Presidência da República (SAE) mostra que os homicídios de jovens na faixa etária dos 13 aos 25 anos de idade equivale a uma perda da capacidade produtiva por morte equivalente a atuais 550 mil reais ao ano. O valor total anual dessa perda, segundo o estudo da SAE, subiu de 18 bilhões de reais, em 1996, para 26 bilhões de reais em 2015. Nos vinte anos, a violência custou ao Brasil 450 bilhões de reais em capacidade produtiva, o equivalente a 7,6% do PIB.
A Lei 14.071/2020, aprovada pelo poder legislativo e sancionada pela Presidência da República, concedeu maior prazo para a renovação da Carteira Nacional de Habilitação (CNH), dependendo da faixa etária do condutor e alterou o sistema de pontuação para a suspensão da CNH, o motorista só perderá o direito de dirigir se tiver 20 pontos e duas ou mais infrações gravíssimas; 30 pontos e apenas uma infração gravíssima ou 40 pontos e nenhuma gravíssima. Resumindo, a Lei “afrouxou” as normas de trânsito.
Cabe salientar que a Lei 14.071 foi sancionada com vetos, dos quais dois chamam atenção. Um relativo ao trecho da lei que impedia ultrapassagens de motos com velocidades mais elevadas em um corredor de veículos e o outro sobre a determinação da obrigatoriedade de avaliação psicológica de parte dos motoristas envolvidos em acidentes graves, condenados judicialmente por delito de trânsito ou se estivesse colocado em risco a segurança do trânsito.
Ainda se tratando de flexibilização de normas o Governo Federal, semana passada, publicou decretos que flexibilizam regras para compra e uso de armas no país. As normas modificam de quatro para seis o limite de armas que o cidadão comum pode adquirir, esse limite sobe para oito no caso de policiais, agentes prisionais, membros do Ministério Público e de tribunais. Os decretos também permitem expressamente o porte simultâneo de duas armas, exclui a obrigatoriedade de autorização do Comando do Exército para a compra de até 60 armas para atiradores, 30 armadas para caçadores e 10 para colecionadores, além de outras facilitações para o cidadão possuir uma arma.
Não cabe aqui contestar as alterações de normas, o que se deve avaliar é a necessidade dessas alterações. Temos altos índices de violência em nossas cidades, atravessamos uma pandemia que altera o humor das pessoas, estamos ainda diante de uma polarização política na qual o adversário se torna inimigo mortal, ou seja, talvez devêssemos estabelecer prioridades que envolvessem mais educação, promovessem mais diálogo e estimulasse uma empatia social com mais tolerância e solidariedade.
A violência pode ser fascinante, mas nossas vidas não são normais com a presença dela.