Breno Rodrigo de Messias Leite*
O saber convencional, por tantas décadas, considerou o nacionalismo um anátema nos estudos da Ciência Política. Ainda de acordo com tal saber, o nacionalismo foi o principal responsável pelas tragédias dos últimos dois séculos, com as guerras, os genocídios, as limpezas étnicas, o terrorismo, entre outros tantos problemas da sociedade internacional e das sociedades nacionais. Como qualquer vilão de uma trama histórica, fomos ensinados a pensar que o nacionalismo provoca divisões sectárias, esmaga minorias e dilacera o espírito de integração da vida comunitária. Tal sentimento de desprezo pela ideologia nacional pode ser simplificado no fraseado de Samuel Johnson, literato inglês: “O patriotismo [como sinônimo de nacionalismo] é o último refúgio do canalha.”
O ensaio de satanização do nacionalismo, que perdurou por décadas na opinião pública e nos círculos intelectuais de todo mundo, não resiste aos fatos e à adequada análise da experiência histórica. O livro do rabino e cientista político israelense Yoram Hazony, “A Virtude do Nacionalismo“, publicado em 2019, é um exame profundo do fenômeno nacionalista, quer na sua formulação histórica, quer na sua propositura filosófica – Hazony faz da Filosofia da História uma verdadeira História da Filosofia do nacionalismo. Em linhas gerais, o livro é uma defesa enfática da tradição nacionalista na moldura institucional dos Estados nacionais independentes e na construção de uma arquitetura equânime da relação entre as nações.
A construção da obra, dividida em três partes e 25 capítulos, apresenta ao leitor (especializado ou leigo) um panorama geral da história do nacionalismo, tendo como ponto de partida os problemas atuais marcados pela escolha eleitoral de líderes nacionalistas. Em todos os continentes, políticos e movimentos nacionalistas voltaram a tremular as suas bandeiras nas ruas, nos movimentos populares, nos partidos e nos processos eleitorais como um todo. Depois de uma longa temporada obliterado pela ideologia da democracia liberal, o nacionalismo está de volta ao jogo.
Em O Nacionalismo e a Liberdade Ocidental, primeira parte do livro, Hazony traça uma comparação inicial entre nacionalismo e imperialismo. Os Estados no ocidente, sem exceção, constituíram-se de duas maneiras. Por um lado, como Estado nacional alicerçado na “ordem de livres e independentes nações”. Por outro, como Estado imperial, isto é, “uma ordem de pessoas unidas sob um único regime jurídico, promulgado e mantido por uma única autoridade supranacional”. De fato, as duas visões de ordem mundial entram constantemente em rota de colisão ao longo da história, uma vez que Estados nacionais lutam em defesa de sua soberania, ao passo que Estados imperiais buscam justamente conquistar outras nações, territórios e soberanias.
A diferença entre o Estado nacional e o Estado imperial remonta às raízes espirituais do ocidente, à sua metafísica e à sua religiosidade. As Sagradas Escrituras registram os dois projetos políticos e o desenrolar de suas lutas. A própria ideia de nação expressa tal orientação espiritual: “defino o termo nação como um certo número de tribos com língua e religião em comum, além de um passado de atuação em conjunto pela defesa comum de seus integrantes e pelo desenvolvimento de empreendimentos de larga escala.” A Bíblia Sagrada assume, portanto, um postulado em defesa do Estado nacional.
Já em Defesa do Estado Nacional, segunda parte, Hazony desenvolve uma sofisticada análise do nacionalismo como experiência histórica. É importante notar que a essência da defesa do nacionalismo consiste em observar o “mundo baseado em Estados nacionais independentes como a melhor ordem política possível.” Na perspectiva de Hazony, as vantagens do Estado nacional independente estão em superar a ordem política dos clãs e tribos (sociedades pré-Estado) e não permitir a criação de uma ordem internacional sob o controle de um Estado imperial. A superação de um e a rejeição de outro permitem que o nacionalismo torne-se o elemento edificante do sistema internacional. Os Estados nacionais independentes transformam as relações humanas, garantem a sua emancipação. Diz Hazony: “os laços de lealdade mútua que fazem das famílias, clãs, tribos e nações instituições estáveis e duradouras também garantem que os seres humanos experimentem constantemente, como um evento pessoal, o que se passa com as coletividades para as quais são leais. Como consequência, longe de serem motivados apenas no sentido da conservação dos bens e da própria vida, os seres humanos ficam incessantemente preocupados em promover a saúde e a prosperidade da família, clã, tribo ou não à qual são leais, não raro de uma maneira que venha a colocar sua própria vida e propriedade em risco.”
São cinco as virtudes do Estado nacional, segundo Hazony: 1) “A violência é relegada para a periferia”, que significa dizer que “o Estado nacional suprime a guerra como meio de resolver conflitos domésticos, banindo-a para a periferia da experiência humana”; 2) “Desprezo pela conquista imperial”; 3) “Liberdade coletiva”; 4) “Ordem política competitiva”; e 5) “Liberdades individuais”.
A terceira e última parte, Antinacionalismo e Ódio, é construída como uma resposta geral e sistemática aos críticos do nacionalismo. A categoria de análise utilizada por Hazony é o “ódio” entre nações ou tribos. E a transformação do ódio em arma ideológica na luta entre os Estados nacionais. Todas as ideologias políticas forjadas na modernidade vão alimentar-se do ódio contra o outro, pois pretendem, em nome de suas próprias verdades, trazer a salvação e a paz mundial para a humanidade. As raízes filosóficas do ódio estão nas correntes religiosas (o antissemitismo, e.g.), nas obras sobre moral ou mesmo nas ideologias imperialistas do século XX, como o nazismo e o comunismo.
“A Virtude do Nacionalismo” é uma verdadeira mudança de paradigma sobre um tema hoje tão urgente. Ao colocar o nacionalismo no cerne da discussão, Hazony aponta para um novo significado sobre o tema. A obra é extremamente abrangente nas suas fontes teológicas, filosóficas e históricas. “A Virtude do Nacionalismo” já se tornou uma referência obrigatória; e será uma obra que perdurará por muito tempo no debate público e acadêmico. É um porto seguro para aqueles que desejam entender o tema com a mais absoluta clareza e seriedade.
*é cientista político