(FOME NO MUNDO)
*Carmen Novoa Silva
Duas reportagens jornalísticas. Na mesma página. Um, Ícone do supérfluo. O outro, Ícone do desamor. Resultado do capitalismo voraz. Uma das matérias, explana o histórico de 60 anos do perfume francês “L’Air Du Temps” de Nina Ricci. Uma apologia a superfluidade quando o perfumista enfatiza “que essa fragrância atemporal é um verdadeiro ícone (junto com Chanel nº 5) por marcar em cada quinze segundos a venda de um frasco no mundo”. Já o artigo “morrer em silêncio” evidencia na história da humanidade o caráter icônico da fome no mundo. Símbolo do indiferentismo das sociedades ditas do Primeiro mundo em relação aos países do quarto-mundo como a África continental. Essa que “morre em silêncio”. Discretamente. Pela carência do essencial: Alimentos. E em “cada cinco (5) segundos morre um bebê por desnutrição.”
Os povos ignoram essa catástrofe planetária porque é mais impactante um furacão, um tsunami, um terremoto que mata 800 mil pessoas de uma só vez do que os 800 mil que morrem de inanição. As calamidades provocadas pela natureza sempre são assunto de primeira ordem que a mídia expõe exaustivamente em seus noticiários. Arregimentam-se campanhas urgentes de socorro às vítimas. E os famintos da Somália, do Corno da África morrem em silêncio milhares a cada mês. Em suas choupanas. Sem forças para protestar. Dias atrás foi desmantelada na Índia uma rede ilegal de tráfico de rins. As pessoas paupérrimas vendiam seus rins por 800 euros e os traficantes revendiam param os Estados Unidos, Canadá, Reino-Unido, Arábia Saudita por até 35 mil euros. Conclusão: A demanda mundial de venda ilegal de rins eleva-se de maneira assustadora nos países ricos. Tudo provocado pelo inusitado aumento da obesidade (“fast-food”, mais o sedentarismo) estimulam transtornos renais graves. É um círculo deprimente como um conto e filme de horror onde monstros e ogros estripam e sorvem prazerosamente as entranhas dos desvalidos.
No livro recém-lançado do escritor anglo-indiano Raj Patel intitulado “Obesos e Famélicos” da Editora Lince narra desses países pobres onde existem muitos agricultores famélicos a vender um de seus rins e até seu corpo em pedacinhos, ou seja, órgão por órgão por ninharias. Alegam que é a única coisa que possuem de valor para vender. É o retrato do desespero. São estes os abismos na organização básica do planeta. Isso lembra a história de que em plena Revolução Russa o alto clero ortodoxo reunia-se a portas fechadas para discutir e decidir qual a cor dos paramentos de suas celebrações pomposas. Isso enquanto seu país ardia lá fora em guerra fratricida. Regionalmente falando, em Manaus é facílimo encontrar esses abismos contraditórios. Basta lançar um olhar nos bairros ricos. Certas áreas efluem com seus projetos nababescos. Ardem a fogueira das vaidades. Clamam aos céus certos projetos principalmente se forem idealizados e erigidos em nome de Deus. Se ao menos obras sociais fossem algumas das metas… E enquanto escolhem os paramentos, embevecidos com a policromia do poder e glórias terrenais ali, ao lado existem fossos feitos de casebres em guerra da sobrevivência condigna. Sim, existem dois mundos também em Manaus: O primeiro compra “L’air du Temps”. O que vende a cada 15 segundos um frasco no mundo. E o segundo entra na cruel estatística do quarto mundo. O que deixa morrer (por desnutrição) a cada 5 segundos um ser humano no mundo… “Vanitas et Vanitates”, indica livro o livro sapiencial.
CARMEN NOVOA SILVA, é Teóloga e membro da Academia Amazonense
de Letras e da Academia Marial do Santuário de Aparecida-SP