Bosco Jackmonth*
Nessa marcha macabra, epidemias continuaram a matar dezenas de milhões de pessoa em pleno século XX. Soldados nas trincheiras do norte da França, em janeiro de 1918, começaram a morrer aos milhares de um tipo especialmente virulento de gripe, denominado “gripe espanhola”. A linha de frente da guerra era o ponto final da mais eficiente de rede global que o mundo tinha visto até então. Homens e munições jorravam da Grã-Bretanha, dos Estados Unidos, da Índia e da Austrália.
Do Oriente Médio era enviado o petróleo, enquanto que grãos e carne chegavam da Argentina, a borracha vinha da Malásia, e o cobre, do Congo. Em troca todos receberam a gripe espanhola. Em poucos meses, cerca de meio bilhão de pessoas – um terço da população global – foi infectado com o vírus. Na Índia ele dizimou 5% da população (15 milhões de pessoas). Na ilha do Taiti, 14% dos habitantes morreram. Em Samoa, 20%. Nas minas de cobre do Congo, um em cada cinco trabalhadores pereceu. No total, a pandemia matou entre 50 milhões e 100 milhões de pessoas em menos de um ano. A Primeira Guerra Mundial matou 40 milhões de 1914 a 1918.
Além desses tsunamis epidêmicos que atingiram o gênero humano a cada poucas décadas, houve ondas menores, porém mis regulares, de doenças infecciosas que todo ano matavam milhões. Crianças com baixa imunidade eram particularmente suscetíveis, daí a frequente designação de “doenças infantis.” Até o início do século XX, cerca de um terço das crianças morria de uma combinação de desnutrição e doença. Esse o quadro histórico que se colhe da presente abordagem, como anunciado, sempre voltada a atenção para o amanhã.
Assim é que durante o último século o porvir deixou a humanidade ainda mais vulnerável a epidemias, graças a dois fatores: aumento da população e meios de transporte mais eficientes. Uma metrópole moderna, como Tóquio ou Kinshasa, oferece aos patógenos um terreno de caça mais rico do que a Florença medieval ou a Tenochtitlán de 1510, e a rede global de transporte é hoje mais eficiente do que em 1918. Um vírus espanhol pode chegar ao Congo ou ao Taiti em menos de 24 horas. Seria de esperar, portanto, que vivêssemos num inferno epidemiológico, com sucessivas pragas letais.
Contudo, tanto a incidência como o impacto das epidemias decresceram dramaticamente nas últimas décadas. Particularmente, a mortalidade infantil global é a mais baixa de todos os tempos: menos de 5% das crianças morrem antes de chegar à idade adulta. No mundo desenvolvido, a taxa é menos de 1%. Esse milagre se deve às conquistas sem precedentes da medicina no século XX, que nos proveu de vacinas e antibióticos, com higiene e infraestrutura médica muito melhores. A propósito, uma campanha global de vacinação antivariólica foi tão bem sucedida que, em 1979, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou que a humanidade tinha vencido, e que a varíola fora erradicada. Foi a primeira epidemia que os humanos conseguiram varrer da face da Terra. Em 1967, a varíola havia infectado 15 milhões de pessoas e matado 2 milhões, mas em 2014 não houve uma única pessoa infectada ou morta por essa doença. A vitória foi tão completa que a OMS já parou de promover a vacinação contra a varíola.
De tempos em tempos ficamos alarmados com a irrupção de uma nova praga potencial, como a Síndrome Respiratória Aguda Grave (na sigla em inglês, Sars) em 2002-3, a gripe aviária em 2005, a gripe suína em 2009-10, e o Ebola em 2014. Mas, graças a contramedidas eficientes, esses incidentes resultaram, até agora, num número comparativamente menor de vítimas. A Sars, por exemplo, suscitou de início temores de uma nova Peste Negra, mas provocou a morte de menos de mil pessoas no mundo inteiro. A irrupção do Ebola na África Ocidental pareceu a princípio uma espiral fora de controle. Em 26 de setembro de 2014 a OMS a descreveu como “a mais grave emergência na saúde pública vista em tempos modernos.”(Continua).
Advogado de empresas (OAB/AM 436). Ex funcionário do Bco.Brasil, designado como Fiscal Cambial junto a agências bancárias locais, comissionado a ordem do Bco. Central. Cursou Contabilidade, Comunicação Social/Jornalismo e Lecionou História.