Bosco Jackmonth*
Veja-se, a Peste Negra não foi um evento singular, nem mesmo a pior peste registrada na História. Epidemias mais calamitosas assolaram a América, a Austrália e as ilhas do Pacífico na sequência da chegada dos primeiros europeus. Exploradores e colonizadores, sem saberem, trouxeram consigo doenças infecciosas contra as quais os nativos não tinham imunidade. Como resultado, até 90% das populações locais morreram.
Certa vez, em 5 de março de 1520, uma pequena frota espanhola deixou a ilha de Cuba a caminho do México. Os navios levavam novecentos soldados espanhóis, além de cavalos, armas de fogo e alguns escravos africanos. Um dos escravos, Francisco de Eguía, transportava uma carga muito mais mortal. Francisco não sabia, mas, em algum lugar de suas trilhões de células, uma bomba-relógio biológica tiquetaqueava: o vírus da varíola. Depois que ele desembarcou no México, o vírus começou a se multiplicar sem barreiras em seu corpo e mais tarde irrompeu por toda a sua pele em erupções terríveis. O febril Francisco foi acomodado na casa de uma família nativa na cidade de Cempoallan.
Ele infectou os membros da família, que por sua vez infectaram os vizinhos. Em dez dias Cempoallan virou um cemitério. Refugiados espalharam a doença para cidades vizinhas e, à medida que, uma após outra, elas sucumbiam à peste, novas ondas de aterrorizados carregaram a doença por todo o México e além dele.
Na península de Yucatán, os maias acreditavam que três deuses do mal – Ekpetz, Usannkak e Sojakak – voavam à noite de aldeia em aldeia, infectando pessoas com a doença. Os astecas puseram a culpa nos deuses Tezctlipoca e Xipe Totec, ou talvez na magia negra do povo branco. Sacerdotes e médicos foram consultados. Eles aconselharam as pessoas a orar e a tomar banhos frios, além de esfregar o corpo com betume e lambuzar as feridas com besouros negros esmigalhados. Nada disso ajudou.
Dezenas de milhares de cadáveres jaziam nas ruas apodrecendo, sem que ninguém ousasse se aproximar e queimá-los. Famílias inteiras pereceram em poucos dias, e as autoridades ordenaram que as casas fossem demolidas, soterrando os corpos. Em algumas povoações, metade da população morreu.
Em setembro de 1520 a peste tinha alcançado o vale do México e, em outubro atravessou os portões da capital asteca, Tenochtilán — uma magnífica metrópole com 250 mil habitantes. Em dois meses pelo menos um terço da população havia perecido, inclusive o imperador asteca Cuitláhuac. Em março de 1520, quando a esquadra espanhola chegou, o México abrigava 22 milhões de pessoas; em dezembro do mesmo ano apenas 14 milhões ainda estavam vivas.
A varíola foi apenas o primeiro golpe. Enquanto os novos senhores espanhóis estavam ocupados enriquecendo e explorando os nativos, ondas letais de gripe, sarampo e outras doenças infecciosas, uma após outra, varreram o país, até que em 1580 sua população fora reduzida a menos de 2 milhões de pessoas.
Dois séculos mais tarde, em 18 de janeiro de 1778, o capitão James Cook, um explorador britânico, chegou ao Havaí. Essas ilhas eram densamente povoadas por cerca de meio milhão de pessoas, que viviam em total isolamento tanto da Europa como da América. Portanto, nunca tinham sido expostas às doenças europeias e americanas.
O capitão Cook e seus homens introduziram os primeiros patógenos da gripe, tuberculose e sífilis no Havaí. Visitantes europeus subsequentes acrescentaram o tifo e a varíola. Em 1853, só restavam ali 70 mil sobreviventes. (Continua)
Advogado de empresas (OAB/AM 436). Ex funcionário do Banco do Brasil designado como Fiscal Cambial junto às agências bancárias locais, comissionado à ordem do Banco Central. Cursou Contabilidade, Comunicação Social Jornalismo. Lecionou História.