Administrar é chegar antes

Em: 21 de abril de 2022

O título se inspira em Paiva Netto, diretor-presidente da Legião da Boa Vontade (LBV). Sua aplicação diária no movimento de assistência social e espiritual genuinamente brasileiro (a LBV nasceu no Brasil em 1950) é reconhecida por milhões de pessoas atendidas, testemunhas vivas do valor de cada ação filantrópica que não distingue classe, gênero e/ou raça.

No planejamento, “chegar antes” pode ser entendido no desenvolver cenários prospectivos cuidadosamente pactuados por dados históricos levantados e por diagnósticos analisados à luz do conhecimento construído no dia a dia.

Infelizmente, a prática do planejamento no Brasil tem sido, há muito, esquecida num mundo contemporâneo cada vez mais acelerado. Seja no espectro governamental, ou na governança corporativa, raros têm sido os casos que podem servir de benchmarking. 

O recente caso da Usina Hidrelétrica de Balbina e a abertura de suas comportas revelaram as “distâncias” impostas pelas administrações envolvidas e a falta de um instrumento de gestão básico: o Plano de Emergência. 

Talvez, o Plano até exista na forma de um documento encadernado nos arquivos, ou banco de dados da empresa geradora de energia, ou, esteja “perdido” no acervo dos autos do processo de licenciamento ambiental. Contudo, a judicialização do ato de abertura das comportas revelou a fronteira atroz dos atores que deveriam produzir segurança ao território, mas, atuam dispersos e distantes das populações impactadas, notadamente, àquelas a jusante. 

O destemido rio Uatumã merece cuidado, mas, sequer possui um Comitê de Bacia Hidrográfica. Há décadas, suas águas lavram minérios de estanho, nióbio e tântalo do Pitinga; geram energia elétrica para a Região Metropolitana de Manaus; promovem a pesca esportiva e a subsistência das produções rurais; preservam populações indígenas como os Waimiri-Atroari… Mas, com as comportas abertas, plantios, terrenos ribeirinhos e ramais (ramal da Morena) são inundados; mananciais hídricos tornam-se impróprios ao consumo; e, este, é o triste cenário vivido pelas populações a jusante da barragem de Balbina.

Um Plano de Emergência da UHE de Balbina deveria preventivamente orientar canais de comunicação apropriados, que minimizassem os impactos negativos causados pelo reservatório cheio. No jogo de conflitos de uso, perdem mais uma vez as populações ribeirinhas, desassistidas sequer do primaz direito de serem avisadas da súbita “cheia” do Uatumã.

Atravessamos um cenário de influência do Fenômeno La Niña e, se usássemos a tese que dá título ao presente artigo, nossas autoridades que monitoram os reservatórios saberiam que o excesso de chuvas poderia resultar na necessidade de abertura das comportas… E, ao “chegar antes”, usar-se-ia a ciência em favor das decisões, construindo com as populações afetadas ações preventivas, provendo o correto enfrentamento de um efeito climático extremo.

Mas, é possível, no caso de Balbina -nosso estereótipo de grande projeto amazônico mal concebido -, fazer desse ‘limão uma limonada’, considerando o papel do rio Uatumã na integração da proposta de criação, feita pelo Serviço Geológico do Brasil (CPRM) em 2012, do Geoparque Cachoeira do Amazonas (https://rigeo.cprm.gov.br/handle/doc/17166 ).

Antes de se julgar erros da engenharia de governos passados, não seria tempo de se discutir o potencial geoturístico daquele território e sua principal bacia hidrográfica –rio Uatumã?

A cobertura florestal e a rica fauna amazônica avocam o poder econômico e turístico das múltiplas paisagens naturais, cachoeiras, corredeiras, cavernas e sítios geológicos/paleontológicos, que representam parte da história geológica do planeta compreendida entre as Eras Paleoproterozóica (2,5-1,6 bilhões de anos) e Cenozóica (65,5 milhões de anos). 

No conceito da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), geoparques são áreas geográficas únicas e unificadas, onde os locais e as paisagens de significado internacional são gerenciadas com um conceito holístico de proteção, educação e desenvolvimento sustentável.

Segundo a CPRM, um Geoparque Global da Unesco usa sua herança geológica, em conexão com todos os outros aspectos do patrimônio natural e cultural da área, para aumentar a conscientização e compreensão dos principais problemas enfrentados pela sociedade, tais como usar os recursos da Terra de forma sustentável, mitigar os efeitos da mudança climática e reduzir riscos relacionados a desastres naturais. 

“Chegar antes”, no caso do rio Uatumã, talvez seja, simplesmente, identificar nossas vocações e materializar, ou compartilhar caminhos de respeito e cuidado com nossas populações, inclusive aquelas esquecidas, no ramal da Morena.

Daniel Nava

Pesquisador Doutor em Ciências Ambientais e Sustentabilidade da Amazônia do Grupo de Pesquisa Química Aplicada à Tecnologia da UEA, Analista Ambiental e Gerente de Recursos Hídricos do IPAAM
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