18 de setembro de 2024

Agenda brasileira no Conselho de Segurança da ONU

Breno Rodrigo de Messias Leite*

No último dia do mês de outubro foi marcado pelo encerramento do mandato do Brasil na presidência do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Em sua segunda passagem pela presidência do conselho, o Brasil assumiu pesadas responsabilidades na negociação dos conflitos internacionais mais complexos desde o início do século XXI. A escalada dos conflitos armados na Europa, na África e no Oriente Médio redimensionou definitivamente os eixos do sistema internacional, os arranjos multilaterais e a coordenação estratégica dos países direta ou indiretamente envolvidos nos conflitos. Conselho de Segurança da ONU, guiado pela doutrina do poder de veto das grandes potências lá instaladas desde o fim da Segunda Guerra, pouco ou nada pode fazer diante dos recentes acontecimentos disruptivos.

O mês de outubro, durante o período da presidência brasileira, o Conselho de Segurança definiu como prioridades das reuniões sobre paz e segurança a avaliação dos problemas de direitos humanos e do tráfico internacional de drogas na Colômbia. Além disso, discutiu a emergência de conflitos armados no Iêmen, na Somália, no Saara Ocidental e nos Grandes Lagos na África. Os conflitos locais impõem duras penalidades à dignidade da pessoa humana e acentuam problemas como insegurança alimentar, hostilidades contra mulheres, crianças e minorias, violência sectária, migrações forçadas etc. A longa tradição brasileira de participação em missões de manutenção da paz das Nações Unidas – árdua defensora da agenda universalista dos direitos humanos, do multilateralismo e do direito internacional – certamente foi decisiva para a construção de uma agenda propositiva e pacífica. 

O mês também contou com a discussão acerca dos mandatos das missões de paz nos territórios do Iraque (UNAMI, United Nations Assistance Mission for Iraq), da Líbia (UNSMIL, United Nations Support Mission in Libya), do Kosovo (UNMIK, United Nations Mission in Kosovo), do Haiti (BINUH, United Nations Integrated Office in Haiti), da Síria (UNDOF, The United Nations Disengagement Observer Force) e da República Centro-Africana (MINUSCA, United Nations Integrated Peacebuilding Office in the Central African Republic). As missões de paz coordenadas pelo Conselho de Segurança da ONU são responsáveis pelo apoio militar em zonas de conflitos, pelo gerenciamento policial no processo de pacificação e pela reconstrução da infraestrutura, das instituições e da promoção do regime democrático, quando possível.

A presidência brasileira promoveu o 8º. Seminário Informal Conjunto e a 17ª. Reunião Consultiva Conjunta entre o Conselho de Segurança e o Conselho de Paz e Segurança da União Africana. O foco do encontro foi avaliar a situação de crise no Sudão, no Sahel, na Somália e em parte do território da República Democrática do Congo. Vale dizer que a parceria estratégica tinha como objetivo o fortalecimento dos conselhos e a troca de informações a respeito dos temas de segurança e da paz no continente africano tão afligido pelos antagonismos belicistas.

Além do mais, a presidência brasileira promoveu debates fundamentais sobre a prevenção e a resolução pacífica dos conflitos nas arenas regionais, sub-regionais e bilaterais. Sabemos que a permanente preocupação brasileira é com a paz e a correta aplicação do direito internacional. O fortalecimento dos arranjos regionais permite que eventuais conflitos possam ser solucionados pelos próprios atores in loco. A experiência da UNASUL (União de Nações Sul-Americanas) na mediação da crise diplomática entre Colômbia e Venezuela, em 2010, é um exemplo de sucesso. A volta da UNASUL e a percepção sobre a evolução de arranjos regionais em outras partes do mundo pode racionalizar os meios diplomáticos e a sua aplicação no contexto do regionalismo sul-americano. Por fim, outro compromisso da presidência brasileira foi com a Agenda de Mulheres, Paz e Segurança.

A invasão do território israelense pelas forças insurgentes do Hamas, no último dia 07 de outubro, alterou radicalmente a geopolítica do Oriente Médio. A nova escalada do conflito foi rapidamente polarizada. Israel perdeu em parte a sua narrativa e a causa do Hamas foi rapidamente legitimada por muitos governos de dentro e de fora do mundo árabe. Imediatamente, o Brasil iniciou algumas movimentações para aprovar uma resolução para o conflito que se iniciara. A resolução brasileira recomendava a criação de corredores humanitários para a retirada de civis da faixa de Gaza sob risco de sofrerem retaliações das forças militares de Israel e agravar ainda mais a situação da população palestina.

A resolução brasileira foi aprovada por doze dos quinze membros do conselho, mas não foi aprovada por causa do veto norte-americano. A Rússia e o Reino Unido se abstiveram. É bom que se diga que não se trata de uma imposição ou revanchismo contra o Brasil. Desde 2016, o Conselho de Segurança não aprova nenhuma resolução sobre a crise humanitária na Palestina. Como bem afirmou o chanceler Mauro Vieira, na condição de presidente pro tempore, “a situação no Oriente Médio é de longe uma das questões mais bloqueadas no Conselho de Segurança.” A situação, portanto, é de total congelamento.

A atuação do Brasil no Conselho de Segurança seguiu os passos já consagrados pela tradição diplomática brasileira. Mesmo num momento tão delicado, com a escada de conflitos armados mundo afora, o Brasil manteve-se paciente e propositivo, tentando equilibrar as baionetas dos extremos.

*é cientista político

Breno Rodrigo

É cientista político e professor de política internacional do diplô MANAUS. E-mail: [email protected]

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