18 de outubro de 2024

Ama a incerteza e serás democrático

As esperanças alimentadas no começo dos anos 1990 começam a ganhar contornos de preocupação nestas primeiras décadas do século XXI.

As ondas de democratização no mundo provocaram mudanças políticas consideráveis nos países europeus (Grécia, Portugal e Espanha), nos países do Leste Europeu, ainda sob o domínio do comunismo soviético (Polônia, Romênia, Hungria etc.) e nos países da América Latina que se livravam de suas ditaduras militares.

Naquela época, havia um relativo consenso acadêmico e político de que as aberturas progressivas dos regimes fechados e a expansão da influência norte-americana produziriam sucessivas vitórias das forças democráticas, em detrimento das tiranias das mais diferentes colorações.

Dos mais otimistas, Francis Fukuyama, cientista político de Chicago, sentenciava o “Fim da História” em seu livro homônimo. A tese era simples e inspiradora: o fim da Guerra Fria, com a derrota da União Soviética (representante maior do comunismo internacional) e a vitória dos Estados Unidos (o país-símbolo da democracia e do capitalismo global), representaria, portanto, o “Fim da História”, ou seja, a consolidação do regime democrático e da economia de mercado como verdadeiros imperativos categóricos das nações na ordem internacional nascente.

No polo oposto, o cientista político conservador norte-americano Samuel Huntington, professor da Universidade de Harvard, observa, terminada a Guerra Fria, a manifestação de uma nova configuração dos padrões de conflito internacional. No seu entendimento, o conflito ideológico entre EUA e URSS foi substituído pelo conflito étnico, religioso, cultural e civilizatório. O “choque de civilizações” é a metáfora bélica da ordem pós-Guerra Fria, vale dizer, do conflito entre religiões mundiais, grupos étnicos, clivagens raciais, padrões linguísticos, entre outros. Assim, o regime democrático seria solapado por intermináveis guerras culturais de toda sorte e a sua sobrevivência estaria condicionada às determinantes “culturais” outrora citadas.

Todavia, das intermináveis narrativas sobre o futuro da democracia e da democratização no mundo, uma, em especial, parece-me bastante adequada ainda nos dias atuais. Trata-se da abordagem de Adam Przeworski, cientista político polonês radicado nos EUA. Em seu ensaio “Ama a incerteza e serás democrático”, Przeworski lança uma ideia muito importante para que possamos entender o espírito democrático: o dilema da incerteza quanto à previsibilidade e resultados alcançados nos regimes democráticos. Isto quer dizer que o jogo democrático é, portanto, um somatório caleidoscópico de resultados imponderáveis e imprevisíveis no horizonte da tentativa de controle humano.

O jogo democrático é incerto, pois os múltiplos jogados escalados – políticos, empresários, sindicalistas, movimentos sociais, intelectuais, imprensa, magistrados, corporações nacionais e transnacionais etc. – apostam em suas fichas nos princípios do auto-interesses do grupo. Se quisermos algum dia entender os princípios norteadores da ação coletiva auto-interessada, como a formação de governos, prática da corrupção, coalizão partidária, um movimento grevista, teríamos que necessariamente observar os microfundamentos da ação individual no contexto das democracias que desemboca em resultados pendulários.

Ditaduras, em geral, produzem resultados previsíveis e certos. Os custos de transação – i.e., capacidade de se formular e tomar decisões governamentais num Estado de Exceção – são baixíssimos. Todos sabem que a decisão política partirá do ditador. Em regimes democráticos representativos, o cálculo do poder é extremamente complexo, abarrotado de meandros, negociações e influências.

Entender este princípio é um exercício intelectual fundamental para sabermos como funciona e não funciona o regime democrático. O fim de qualquer ilusão quanto aos resultados certos do jogo político representa um primeiro passo nesse sentido. A política da democracia é, assim, o reino do imponderável, do incerto, do aleatório, diria Maquiavel, da fortuna que pode ser dominada pela virtù.

Breno Rodrigo

É cientista político e professor de política internacional do diplô MANAUS. E-mail: [email protected]

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