Amazônia em cena: depois do BRICS, é hora de transformar discurso em protagonismo

Em: 14 de julho de 2025

Vivemos um momento de reconfiguração da ordem global. Com a intensificação das mudanças climáticas, o colapso da biodiversidade, a disputa por recursos estratégicos e a ascensão de novas potências, o mundo busca respostas que não virão dos modelos tradicionais. É nesse contexto que o BRICS, bloco formado por países emergentes que representam quase metade da população mundial, volta ao centro das articulações internacionais. Ao sediar a 17ª Cúpula do grupo, o Brasil teve a chance de afirmar uma agenda própria. A Amazônia, como maior ativo ambiental e geopolítico do país, deveria ter sido tratada como eixo estruturante dessa proposta. Não há futuro global sem o protagonismo do Norte do Brasil.

O Amazonas encerrou 2024 com queda de 29% no desmatamento, somando 1.143 km² de áreas desmatadas, segundo o INPE. No conjunto da Amazônia Legal, a retração foi ainda mais expressiva: 30,6%, o menor índice desde 2015. Em fevereiro deste ano, registrou-se o menor desmatamento para o mês desde 2016. Contudo, a degradação florestal, provocada principalmente por queimadas e exploração seletiva, atingiu patamares alarmantes. Apenas em setembro passado, mais de 20 mil km² foram degradados, um aumento de 1.402% em relação ao mesmo período de 2023. Esses números demonstram que a floresta resiste, mas ainda sangra. E enquanto sangra, o país desperdiça a oportunidade de transformar o Amazonas em referência mundial de desenvolvimento sustentável.

Em um movimento que reforça a importância estratégica da região, o Exército Brasileiro por meio do Instituto Militar de Engenharia (IME) anunciou planos para instalar um novo campus em Manaus, com foco em ciência, defesa e tecnologia aplicadas à Amazônia. Junto a essa iniciativa, criou o Instituto de Pesquisas do Exército na Amazônia (IPEAM), que atua no desenvolvimento de soluções voltadas às especificidades regionais, integrando inovação científica e soberania nacional. Ambas as medidas, alinhadas ao conceito de diplomacia da paz, articulam conhecimento, presença institucional e desenvolvimento sustentável no território, reconhecendo que não há segurança sem ciência, nem proteção sem inteligência. O fortalecimento da atuação das Forças Armadas na região, com ênfase em pesquisa e inovação, aponta para uma revalorização do papel da Amazônia no projeto estratégico brasileiro.

Essa transformação é possível, concreta e tecnicamente viável. A bioeconomia amazônica tem potencial de movimentar 40 bilhões de reais por ano até 2050, com geração de mais de 800 mil empregos, de acordo com estudo do WRI Brasil. A Zona Franca de Manaus, ao incorporar tecnologia de baixo carbono e agregar valor à biodiversidade, pode ser a âncora industrial de uma nova matriz econômica baseada na floresta em pé. Além disso, a presença de instituições científicas consolidadas, centros de pesquisa e conhecimento tradicional oferece um ecossistema único para inovação sustentável. O Amazonas está preparado. O que falta é que o Brasil enxergue, valorize e integre esse potencial à sua política internacional com a força que o momento exige.

O BRICS demonstrou disposição para ouvir vozes fora do eixo hegemônico. Nenhuma voz, porém, é legítima se não representa o próprio território. O Amazonas não pede concessões. Oferece soluções. Temos os ativos, os dados, a experiência e a urgência. O que ainda nos falta é reconhecimento estratégico dentro da diplomacia brasileira. O país não precisa proteger a Amazônia apenas para cumprir metas. Precisa envolvê-la como protagonista de sua inserção global. Se há uma nova ordem se formando, ela precisa nascer com raízes na floresta. E o tempo de plantar essa decisão é agora.

Redação

Jornal mais tradicional do Estado do Amazonas, em atividade desde 1904 de forma contínua.
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