21 de dezembro de 2024

ARGUMENTUM AD HITLERUM

Breno Rodrigo de Messias Leite*

Catedrático de Filosofia Política de inúmeras universidades norte-americanas, Leo Strauss, num brilhante exame da obra de Max Weber, faz um importante alerta sobre a instrumentalização das ideologias revolucionárias para fins de análise da política e para o entendimento dos fenômenos político-partidários dos regimes democráticos do mundo do pós-Segunda Guerra Mundial.

Eis o que disse Leo Strauss no seu livro Direito Natural e História: “Para que veja isso mais claramente e se veja ao mesmo tempo por que Weber pôde ocultar de si mesmo a consequência niilista de sua doutrina de valores, precisamos seguir o seu pensamento passo a passo. Ao seguirmos esse movimento até os seus últimos desdobramentos, teremos inevitavelmente atingido um ponto para além do qual a sombra de Hitler começa a obscurecer a cena. Infelizmente, não é de todo inútil dizer que, ao longo de nosso exame, devemos evitar a falácia que nas últimas décadas tem sido frequentemente usada como um substituto da reductio ad absurdum: a reductio ad Hitlerum. Uma concepção não é refutada pelo fato de ela ter sido partilhada por Hitler.”

A sentença straussiana é absolutamente correta e reflete, ainda hoje, o estado de consciência de parte da intelligentsia no esforço de relacionar os fenômenos políticos de hoje, na maioria das vezes, numa correlação absurda, com o nazismo ou hitlerismo. O emprego do reductio ou argumentum ad hitlerum é não só uma falácia lógica – como bem advertiu Leo Strauss no seu estudo já referenciado – como também carece de corretas referências e correlações históricas e factuais. De fato, o duplo equívoco causa a redução dos critérios lógicos, em si, e da verdade dos fatos históricos na sua totalidade.

O cientista político e historiador norte-americano Robert Paxton, na sua obra A Anatomia do Fascismo, define o fascismo nos seguintes termos: “o fascismo tem que ser definido como uma forma de comportamento político marcada por uma preocupação obsessiva com a decadência e a humilhação da comunidade, vista como vítima, e por cultos compensatórios da unidade, da energia e da pureza, nas quais um partido de base popular formado por militantes nacionalistas engajados, operando em cooperação desconfortável, mas eficaz com as elites tradicionais, repudia as liberdades democráticas e passa a perseguir objetivos de limpeza étnica e expansão externa por meio de uma violência redentora e sem estar submetido a restrições éticas ou legais de qualquer natureza.”

Sei que a definição pode soar familiar quando desejamos associar tais critérios a este ou aquele candidato ou projeto político; quando desejamos, enfim, reduzir a formulação conceitual a esta ou aquela experiência histórica. No fim das contas, o fascismo é, ainda nas palavras de Paxton, uma síntese confusa de “paixões mobilizadoras”. Mas o fascismo – e o nazismo ou “superfascismo” de Julius Evola, em particular – só pode ser plenamente entendido nos seus devidos termos, historicidade, particularidade como experiência revolucionária. Assim, ao desejarmos transplantar a experiência nazifascista do começo do século XX para o do século XXI, sem as devidas ressalvas, corremos o sério risco de cairmos na vala comum do anacronismo, o erro fatal da correta meditação histórica.

Numa campanha eleitoral altamente polarizada e marcada pela radical oposição entre esquerda e direita, é possível constatarmos, sim, o elevado e até descontrolado grau de irracionalismos. Os projetos, propostas e planos de governos são deixados de lado. Entram em cena os instintos mais tribais que animam a militância e a entourage dos candidatos, mas que pouco ou nada contribuem para os reais interesses nacionais diante de um mundo cada vez mais complexo e desafiador. A quantidade de bobagem produzida pelas campanhas chega a causar certo desespero.

E, finalmente, é justamente neste processo que aqui e acolá surgem as acusações mútuas de nazismo, fascismo e seus congêneres. No fogo cruzado da dissimulação eleitoral, a verdade histórica é instrumentalizada para fins exclusivamente eleitorais e midiáticos. Assim, é de lamentar que o conceito seja usado apenas para propósitos propagandísticos e fingimento histérico. Desprezados os critérios lógicos e históricos, restou apenas o apelo linguístico irracional e o ardil psicológico como critérios de compreensão da realidade histórica marcada pelo terror e pelo genocídio de milhões. Já dizia o poeta espanhol Antonio Machado, “iQué dificil es cuando todo baja no bajar también!”

*é cientista político e professor de política internacional do Diplô Manaus.

Breno Rodrigo

É cientista político e professor de política internacional do diplô MANAUS. E-mail: [email protected]

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