22 de novembro de 2024

Aspectos multidimensionais

Daniel Nascimento-e-Silva, PhD

Professor e Pesquisador do Instituto Federal do Amazonas (IFAM)

Toda tecnologia precisa ser vista de várias perspectivas e dimensões. Embora o método científico-tecnológico (MC-T) tenha sido até agora apresentado de forma dimensional, uma por vez, todas essas dimensões precisam ser tomadas simultaneamente. Toda tecnologia, de forma bem geral, apresenta pelo menos três dimensões, características daquelas mais simples. As mais complexas, por outro lado, são compostas por inúmeros elementos, subcomponentes e componentes, cada qual formados pelas seis dimensões previstas pelo MC-T, além de outras específicas dos fenômenos e materiais que manuseiam. Uma nave espacial, por exemplo, é um produto tecnológico dessa magnitude de complexidade, em que, além do desafio de concepção e materialização, tem que dar conta das adversidades e oportunidades dos diversos ambientes em que ela vai operar. O raciocínio e as operações centradas em dimensões unidimensionais ajudam a reduzir a complexidade para efeitos de trabalho, mas precisam levar em consideração as demais dimensões em um processo de vai e vem até que o produto tecnológico pretendido esteja materializado. Aqui serão mostrados os fundamentos multidimensionais sob a ótica do MC-T para a criação tecnológica.

A primeira dimensão é chamada conceitual porque é um esforço de representar a integralidade daquilo que se pretende criar. No universo empresarial esta etapa é chamada de definição do conceito do produto, quase sempre resultado de um projeto de engenharia dito “arquitetônico” ou simplesmente “conceitual”. Um projeto conceitual é um esforço de representar o mais fielmente possível a tecnologia que se pretende materializar a partir da descrição das informações técnicas essenciais e mostra dos seus principais componentes. A finalidade dessa dimensão é mostrar a tecnologia tal qual ela será quando materializada. Quanto mais preciso for o projeto conceitual, tanto mais facilitada será o seu vínculo com a outra dimensão, que pode ser tanto uma estrutura quanto um processo, dependendo se a tecnologia será um produto ou um processo.

A segunda dimensão é chamada estrutural porque seu desafio é mostrar, esquematicamente, todos os componentes, subcomponentes e peças da tecnologia. As peças formam os subcomponentes que, por sua vez, integram os componentes que fazem materializar o produto tecnológico pretendido. Por isso, quando os cientistas pensam em gerar um produto tecnológico o que vem em primeiro lugar em suas mentes é a construção da estrutura analítica da tecnologia (EAT) ou estrutura analítica do produto (EAP), para utilizar a linguagem da engenharia de produtos. Em termos analógicos, o projeto conceitual gera a imagem global da tecnologia, enquanto o projeto estrutural define o seu esqueleto. Projetos estruturais se vinculam às dimensões funcionais, relacionais e ambientais, mas podem também ser seguidos da dimensão processual.

A dimensão processual trata das etapas que compõem todo e qualquer processo. Tautologicamente, se é um processo, obrigatória será a apresentação de suas etapas ou estágios. É muito comum que essa dimensão seja precedida apenas dos projetos conceituais, mas podem também ser a especificação de como cada elemento estrutural ou até o próprio projeto estrutural será materializado, tomado em sua forma longitudinal, ao longo do tempo. Muitas vezes essa decisão é relevante nas tecnologias de alta complexidade e que mais tarde serão a base para serviços de manutenção, atualização e outros compromissos pós-venda. O desafio dos projetos processuais é descrever as suas etapas e como se faz cada uma delas. É fundamental que em seguida seja trabalhada a dimensão funcional.

A dimensão funcional, como o próprio nome também sinaliza, tem o desafio de mostrar como cada parte, subcomponente e componente dos projetos estruturais e cada etapa dos projetos processuais funcionam. Aqui o olhar e a mente dos cientistas estão voltados para o mecanismo interno, restritos ao âmbito das etapas (processos) e componentes (estruturas). São representados e em seguida descritas as diferentes formas através das quais componentes e etapas funcionam, explicam o trabalho que realizam. Nos projetos processuais, apontam os resultados das etapas anteriores que são recebidos, como são manuseados e transformados nos resultados que serão entregues para a etapa posterior. Nos projetos estruturais a mesma lógica é seguida, com a diferença de que, ao invés de transformação, são descritas as formas de montagem e acoplamento das peças, subcomponentes e componentes para gerar o funcionamento da tecnologia integral. Tanto projetos processuais quanto estruturais carecem da dimensão relacional.

O que é uma tecnologia, se não a consequência da operação de inúmeras peças, subcomponentes e componentes que perfazem um produto tecnológico ou um sucedâneo de estágios porque passam os resultados gerados por um processo? Isso significa que nenhum produto ou processo pode prescindir da dimensão relacional para ser materializado. Essa dimensão procura explicar como uma peça, subcomponente ou componente estrutural se relaciona com outra peça, subcomponente e componente e como cada estágio ou etapa dos processos provocam e sofrem influências das etapas anteriores e posteriores. A dimensão relacional se atém aos aspectos internos da tecnologia. Mas é fundamental, muitas vezes, que se conheçam os impactos que a tecnologia causa e sofre do seu ambiente de operações. Esta última é a chamada dimensão ambiental, perfazendo um total de seis dimensões previstas pelo MC-T.

O que o MC-T coloca em evidência, ou melhor, o que explicita é o fato de que praticamente tudo o que existe, na natureza ou na mente, é multidimensional. Vivemos em um mundo em que altura, largura e profundidade são dimensões escancaradas. A dimensão espaço-tempo é pouco compreendida como parte dessa mesma realidade estrutural. Mas apenas umas poucas pessoas no planeta conseguem visualizar mais de um desses componentes da realidade. Essas pessoas são chamadas de cientistas. E o MC-T é apenas um esforço para aumentar o número de cientistas no planeta capacitando as pessoas comuns a desenvolverem as suas visões.

Daniel Nascimento

É Professor e Pesquisador do Instituto Federal do Amazonas (IFAM)

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