Antes de sequenciar como anunciado no texto anterior (Parte 1, in fine), convém assinalar que um novo viver caseiro se fez por conta da quarentena imposta, como bem se sabe. É que se deu uma quebra do cotidiano doméstico, familiar, tal como sempre se teve dormitando, levando então a brotar harmoniosos contornos no lar, mostrando-se assim nos moldes de um nunca-visto, a justificar a variedade dos eventos que se tem abordado, assegure-se.
Recomecemos daquele derradeiro ponto. Os miúdos desobedeciam às mães, a que não fossem banhar-se no rio, o tal rio. Mas os moleques – qual o quê! – então disputando aplicados saltos acrobáticos pulavam das grades da ponte, a conhecida Primeira Ponte, como já se aludiu, caindo no igarapé de águas turvas, que é o melhor que se pode dizer daquilo. Desviavam-se do lixo flutuante que vinha das redondezas e até mesmo do esgoto do Hospital da Beneficente Portuguesa, próximo. Farta sujeira ali se punha à tona, e banzeiro de toletes fecais. Credo!
Assim se dava a desobediência, cuja conta logo viria em seguida. E chegava dias depois como febre palustre, mais calafrio, vômitos, dores de cabeça, prostração, amarelidão, e sobretudo temperatura altíssima provocando alucinações, ou o doente variando, no dizer popular. Mas o pior estava por vir, na pessoa do seu Edmundo, prestimoso vizinho desenvolto na arte de aplicar injeções, o que sempre se prestava a fazer, com incontida satisfação, bastava chamá-lo.
E então, com alguns gestos graves, tipo levantar a seringa bem acima, contra a luz, e a mostrar um esquisito sorriso, boca aberta escapando saliva mal escondia duas sugestivas presas, pelo menos era assim que parecia ao acamado. De repente vinha o braço lá do alto numa certeira estocada na miúda bunda do garoto castigado por banhar-se no igarapé, desobedecendo os conselhos da mãe, tantas vezes proferidos. Gritos de dor, quando da agulhada, e da viagem do líquido carne a dentro e depois, ora.
Sofrido, suando, gemendo, quem ainda agora arrependido só lhe restava mesmo berrar, tudo ao redor da grossura da agulha, parece que a de maior tamanho à escolha do seu Edmuuuuuundo, não bastasse a cor roxa do conteúdo de Paludam ou Palaveram, tragicamente lembrando a sexta-feira da paixão. Não! Igarapé, nunca mais! Juro! A conferir…
O atendimento no aposento do doente com febre palustre sempre agrupava alguns parentes, mas a memória destaca sobremodo o rosto sofrido da tia Ilka, já citada, que lacrimejando indagava ao aplicador do remédio lilás se haveria mesmo necessidade de mais 4 injeções nos dias seguintes. Colhia como resposta, sempre envolta naquele sorriso meio que Vampiresco do prestável enfermeiro: veremos se 4 bastam!
Pronto. Sinalizando para a mãe do acamado que não mais o ralhasse, já bem castigado, daí só restava à tia começar suaves massagens com Iodex no mirrado traseiro do sobrinho, mas sempre aconselhando-o a não mais desobedecer as ordens maternas, nisso ilustrando a recomendação com as eternas palavras da Vó Puruca, sua mãe, e avó do moço. Quando ditas, o eram com sotaque francoparisiense, digo francoparintinense.: “meu neto, não presta desobedecer a mãe! Não presta!”
Das alucinações, não escape de se dizer. É que pela abertura no aposento ocupado pelo impaludado ardendo em febre, este, assustado, dizia ver lá fora figuras em movimento num carcomido muro alto, escuro, envelhecido, umas danças de carrancas sombrias, cavernosas, esqueléticas, e demônios, bestas, visagens ou outros entes fantasmagóricos, balbuciando o lhe parecia ser um chamado do além, para levá-lo. Os que assistiam, quedavam-se chorosos e temerosos mesmo de um último suspiro. Daquela escapara. Em seguida viriam sarampo, catapora, papeira. Oh, igarapé poluído!
Tudo passado há muitíssimos anos. Restaria apenas aquela remota alucinação, não fosse o permanecer das visões mesmo hoje quando à vista de painéis quitais, em qualquer recinto, ou sempre ao olhar pela janela da cozinha residencial, quando do desjejum diário. Que coisa!
Por hora fiquemos por aqui. Para o próximo texto, já em andamento, prepara-se zelosa pesquisa digamos voltada para o relato de tais aparições, tendo-se mesmo para tanto reservado o livro de Oscar Wild “O Retrato de Dorian Grey”. É sério. (Continua).
*Bosco Jackmonth é advogado (OAB/AM – 436). Contato: [email protected]
Fonte: Bosco Jackmonth