Uma das estórias que os geólogos, engenheiros e técnicos da Companhia de Pesquisa Mineral (CPRM) e do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) me contaram quando cheguei a Manaus, em 1994, era sobre as peladas que ocorriam aos sábados na Residência da CPRM, em Porto Velho, seguida de churrascada no encontro entre equipes de Porto Velho e Manaus.
O pessoal alugava um ônibus que saía de Manaus na sexta-feira à noite, amanhecendo na capital de Rondônia. A confraternização rolava o dia todo e, entre vitórias e derrotas, as competições tinham mais sentido no comer uma carne rondoniense saborosa e barata, jogar conversa fora e integrar amizades entre unidades amazônicas do Ministério de Minas e Energia (MME), distantes cerca de 888 km. No domingo, já em Manaus, o programa era com a família.
Uma das minhas poucas frustrações pessoais foi nunca ter participado, ou vivido o encontro em Porto Velho. Infelizmente, quando cheguei ao Amazonas, a BR 319, sem manutenção e com tráfego precário, perdera seu maior sentido: a integração regional.
Não se pode negar a história de mais de três décadas de discussões preservacionistas e desenvolvimentistas sobre a rodovia. Há, tramitando no Congresso Nacional, uma boa proposta em análise, que cria uma nova categoria de Unidade de Conservação – a estrada-parque -, modelo que se aproxima do discutido por especialistas e órgãos de controle à BR-319.
No âmago dos debates vigentes, uma certeza nos parece cada vez mais clara: todos os atores envolvidos estão buscando recuperar muito mais que uma obra de engenharia rodoviária; há uma função de governança socioambiental que deve estar incorporada aos investimentos de cerca de R$ 1,4 bilhão (R$1.372.892.618,75, mais precisamente) previstos à regeneração da estrada.
Nesse sentido, o controle ambiental de grandes projetos na Amazônia não pode estar limitado, apenas, à compromissos orçamentários público privados.
Há de se observar e construir coletivamente, local e nacionalmente, um pacto político do Estado brasileiro que encerre a preservação da rodovia pavimentada, da floresta nativa entrecortada pela via, e a promoção da qualidade de vida às populações rondonienses e amazonenses.
E nossa participação e contribuição, neste momento, são fundamentais.
O DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) e o IBAMA (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) vão realizar audiências públicas sobre a reconstrução da BR-319/AM no segmento denominado “trecho do meio” (são 405,7 quilômetros, entre os km 250,7, no município de Beruri, e, km 656,4, em Humaitá), onde estão previstas obras de asfaltamento, construção de pontes e viadutos, execução de sistemas de drenagem (para escoamento adequado das águas de chuvas) e de travessias seguras para animais, além das ações de reflorestamento em áreas críticas ao longo da rodovia.
Todas as intervenções e impactos da proposta estão apresentados no Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) elaborado pela empresa de consultoria Engespro Engenharia Ltda. e podem ser acessados em https://www.gov.br/dnit/pt-br/assuntos/portais-tematicos/br-319-am-ro/audiencias-publicas .
Nas fases de implantação e operação da BR-319, os consultores contratados pelo DNIT identificaram 103 impactos ambientais nos meios físico (ar, água, clima e solo), biológico (fauna e flora) e socioeconômico.
No período de recuperação (implantação), entre os impactos mais severos (muito significativos), foram considerados aqueles relacionados à poluição sonora, ao atropelamento da fauna e à criação de expectativas na população. Com o funcionamento efetivo da rodovia (operação) foram apontados com significância crítica (que merecerá extrema atenção e constante monitoramento socioambiental): a perda da biodiversidade local, a pressão sobre espécies vulneráveis, o risco de incêndios florestais e a especulação imobiliária.
Independente do grau de significância, cada um dos impactos avaliados deve receber o olhar apurado das populações locais que vivem ao longo da BR-319 – que são nossos melhores especialistas –, por sua capacidade de sobrevivência amazônica e reconhecimento do papel sistêmico e de integração de uma estrada que deve, em última análise, materializar a cidadania e o direito constitucionais do ir e vir.
Reforço, portanto, o convite do Edital nº 17/2021 do IBAMA para uma ampla participação popular e das organizações sociais nas audiências públicas que serão realizadas, de maneira virtual e presencial, no dia 27 de setembro de 2021 (segunda-feira), na cidade de Manaus/AM (presencial) e em Borba e Brasília (virtual); em 28 de setembro de 2021 (terça-feira), na sede do Careiro Castanho (presencial) e em Beruri (virtual); no dia 29 de setembro de 2021 (quarta-feira), em Manicoré (presencial) e em Tapauá (virtual); e, no dia 01 de outubro de 2021 (sexta-feira), na sede de Humaitá (presencial) e Canutama (virtual).
É preciso relembrar que as audiências públicas constituem-se em instrumentos da Política e do Sistema Nacional de Meio Ambiente que, de forma participativa, colaborativa e transparente, buscam construir, coletivamente, as melhores formas de garantir, no caso da reconstrução da BR-319, uma rodovia referência em sustentabilidade.
O DNIT informa que as audiências serão transmitidas pelo seu canal do YouTube – dnitoficial -, e que todas as contribuições e questionamentos poderão ser encaminhados presencialmente e virtualmente, durante o encontro, ou em até 15 dias, através do e-mail [email protected] ou pelo WhatsApp (21) 96434-3133.