30 de outubro de 2024

Calote à vista

Tramita no Congresso Nacional uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que se for aprovada colocará em risco princípios constitucionais como o da isonomia, da separação dos poderes, do direito de propriedade, da segurança jurídica, do direito adquirido e da moralidade administrativa. As ameaças à sociedade e a economia contidas na PEC 23 são tantas que a proposta tem sido chamada de PEC do calote.

A aprovação deste projeto também trará um enorme impacto para o mundo político e econômico. Isso porque a proposta abre um precedente extremamente perigoso ao permitir que o governo mude as regras e crie de forma artificial espaço para ampliação das despesas, uma manobra que no passado recente foi chamada de “pedalada fiscal” e ou de “contabilidade criativa” e que levou ao impedimento da então presidente da República, Dilma Rousseff. 

Mudar as regras vigentes para ampliar espaço para despesas públicas gera incertezas e amplia a desconfiança sobre a capacidade do Estado brasileiro de honrar suas dívidas. Os efeitos da aprovação desta proposta serão sentidos por todos os cidadãos que vão sofrer ainda mais com o aumento dos juros e com a redução dos investimentos, o que pode agravar ainda mais as crises econômica e fiscal que o país enfrenta. 

A PEC 23 pretende mudar a forma de pagamento dos precatórios que são dívidas que o governo tem com cidadãos e empresas e que já não podem mais ser questionadas na justiça, pois todos esses processos foram concluídos, ou seja, já transitaram em julgado. Após encerrada a discussão na justiça e determina a dívida é então emitido um precatório que configura um direito líquido e certo para o cidadão e uma despesa obrigatória ao governo. Se aprovada, esta PEC altera a forma de pagamento dos precatórios devidos aos servidores públicos que aguardam há décadas pelo pagamento de suas ações judiciais. A PEC do Calote estabelece regras para o contingenciamento de recursos, o que compromete a garantia do pagamento dos precatórios, possibilita o parcelamento ou o adiamento da quitação das dívidas e muda o índice de correção, o que também reduz o valor a ser recebido.

É importante destacar que boa parte dos precatórios é devido a milhões de trabalhadores do serviço público que, ao longo dos últimos anos, lutaram na justiça e conseguiram provar que tem direito ao pagamento de equiparação salarial, desvios de função, aumento de salário não concedido, diferenças de vencimentos, proventos e pensões, de indenização por acidente do trabalho e até mesmo de indenização por morte ou invalidez.

Assim, mudar essas regras representa o descumprimento por parte do governo brasileiro de decisões judiciais transitadas em julgado, ou seja, que devem ser obedecidas antes das mudanças propostas. É preciso ficar atento, pois, hoje, o governo, que não fez o devido planejamento fiscal de sua administração, resolve mudar a forma de pagamento de dívidas com milhões de trabalhadores, mas, amanhã, outras regras podem ser modificadas para que novos calotes possam ser dados em empresas e cidadãos. 

O interessante é a questão de que o que não for pago em determinado ano será pago nos anos subsequentes e daí por diante, ou seja, serão dívidas e mais dívidas, nos anos futuros que não serão pagas e irão gerar um gigantesco passivo para o governo federal. Os próximos presidentes, caso a PEC 23 seja aprovada, receberão, além da faixa presidencial, bilhões em dívidas.

É preciso pressionar os deputados federais para que votem contra a PEC 23. Mais do que garantir o pagamento de precatórios, é hora de assegurar que neste país as decisões judiciais que asseguram o direito de todos devem ser respeitadas. Sem justiça e sem o devido respeito às leis só resta o caos e a desordem. Ser contra a PEC 23 e ser contra o calote!

Moisés Hoyos

Analista-Tributário da Receita Federal do Brasil

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