Daniel Borges Nava*
*Geólogo, Analista Ambiental, Professor Doutor em Ciências Ambientais e Sustentabilidade na Amazônia e Pesquisador do Grupo de Pesquisa Química Aplicada à Tecnologia da UEA.
Os dados do monitoramento dos Índices de Qualidade de Água (IQA) revelados pelo Grupo de Pesquisa Química Aplicada à Tecnologia da UEA demonstram que o descaso das administrações públicas com o tema saneamento básico somado ao crescimento urbano desordenado transformaram os igarapés urbanos de Manaus em canais de lixo e esgoto a céu aberto. O desmatamento generalizado, a impermeabilização dos terrenos da cidade e a pífia manutenção dos sistemas de drenagem contribuem à erosão dos solos, surgimento de voçorocas e consequente assoreamento dos canais hídricos. A necessidade constante de dragagem dos igarapés e a retirada de toneladas de lixo pelas ecobarreiras recentemente instaladas pela Prefeitura de Manaus são custos no orçamento público que poderiam ser economizados com educação e política ambiental eficientes, e promoção cultural de cidadania.
Em Manaus, nos painéis que podem ser acessados no site www.gp-qat.com, identificamos o resultado da falta de tratamento do esgoto no coração da Capital: entre as principais bacias hidrográficas urbanas com os piores valores de IQA estão a do Mindu/São Raimundo e a do Quarenta/Educandos. O rio Tarumã-Açú e seus vários tributários, região para onde a cidade tem avançado, mesmo com a presença de generosas porções preservadas da cobertura florestal, vêm perdendo a luta contra o crescimento urbano. A cada ano, a redução da qualidade de vida em suas águas compromete a capacidade dos serviços ecossistêmicos prestados, bem como, o uso econômico da bacia nas atividades de turismo e lazer. O rio Puraquequara, por sua vez, ainda preservado, conta com a proteção das áreas institucionais da Reserva Ducke e da SUFRAMA (Distrito Industrial II) e ocupação urbana de bairros que reproduzem uma Manaus periférica, quase rural, esquecida na geografia da falta de serviços públicos, de planejamento e oportunidades econômicas, face a potencialidade e beleza cênicas presentes nas paisagens naturais.
Nas atividades práticas do Sistema Integrado de Inteligência, Monitoramento e Proteção da Bacia Hidrográfica do Gigante, programa iniciado pelo Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas – IPAAM em janeiro de 2024 que busca reverter o descaso com nossos recursos hídricos, tenho identificado uma força social latente, voluntária, fantástica, histórica, de ações comunitárias comprometidas com as questões ambientais. Tenho conhecido neste tempo cidadãos e cidadãs como o Gilberto, o Reney, a Sandra, o Pedro, a Eulália, o Francisco, o Augusto, entre tantas lideranças políticas de uma sociedade ainda invisível, mas, engajada na causa ambiental pela recuperação dos igarapés e lixeiras viciadas, preservação da fauna silvestre, das nascentes e das florestas, e, no cuidado com os bairros e a cidade.
Um bom exemplo deste trabalho, e que merece a sua visita, é o Espaço do Conhecimento Sustentável localizado na Praça das Flores do Conjunto Flamanal, bairro Planalto. A gestão participativa liderada pelo ativista ambiental Gilberto tornou aquilo que era uma lixeira viciada na Praça das Flores em área de convivência social pela sustentabilidade, dotada de biblioteca popular, quadra, banheiros, jardins e espaço coberto para reuniões e reflexões. Foi neste local, uma área de preservação permanente nas margens de um dos braços do Igarapé do Gigante, que realizamos pelo IPAAM a primeira oficina discutindo ações de revitalização da bacia hidrográfica, que contou com a participação de mais de 30 representações comunitárias ambientalistas, além de organizações não governamentais e institutos.
Neste dia, tive o prazer de conhecer o trabalho da ONG Mata Viva, coordenada pelo jornalista Jó Farah, em prol da resistência em manter vivo o igarapé Água Branca, último igarapé limpo dentro da cidade de Manaus. Com uma extensão de 7km, o Água Branca tem suas nascentes protegidas pelas matas do entorno do Aeroporto Internacional Eduardo Gomes, em percurso que segue até à Cachoeira Alta, no Tarumã. Mesmo a região integrando a lista de áreas ambientais de proteção integral em Manaus, as ações locais de vigilância e combate à poluição e aos impactos da urbanização são constantes e permanentes.
Dentro da proposta de se ampliar a governança socioambiental na cidade de Manaus e no Amazonas, por iniciativa do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), tenho participado junto com outros representantes do IPAAM do importante movimento político sistematizado a partir do Fórum Sustentável Ambiental em redes sociais e por reuniões abertas a participação popular, que resultou na proposta de criação da Associação dos Movimentos Ambientais do Amazonas – AMA.
Simbolicamente, a última reunião da AMA ocorreu por reinvindicação do Instituto Sumaúma, no espaço improvisado do que resta da sede administrativa do Parque Estadual Sumaúma, Unidade de Conservação de 53 hectares localizada no bairro Cidade Nova, criada em 2003 pelo Decreto Estadual nº23.721. Com estruturas deterioradas, abandonas pela falta de investimentos do poder público, o incansável trabalho do Instituto Sumaúma, liderado pelo aguerrido presidente Augusto, tem sido o de sensibilizar as autoridades, entes privados e poderes constituídos quanto a necessária revitalização do igarapé Goiabinha e reabertura e operação do Parque Estadual como espaço urbano de formação em educação e cultura para o meio ambiente.
Quero destacar por final, entre tantas ações socioambientais importantes, o reconhecimento das atividades do Movimento Buritis, uma nova coalização de ativistas e líderes de coletivos ambientais, capitaneada pela equipe da Embaixada Amazônia do Instituto Politize, que tem por estratégia o desejo de maior participação social na política local, e objetivo de questionar e solicitar a presença das representações sociais e suas demandas no Plano de Ação Climática de Manaus. O primeiro encontro oficial do Movimento Buritis ocorre no dia 25 de maio, preparatório da Audiência Pública prevista para acontecer em Manaus no mês de junho de 2024.
Em tempos de eleições municipais e de enfrentamento planetário da guerra do clima, parece oportuno carregar nos planos de governo dos futuros candidatos e candidatas à Prefeitura de Manaus, nossas preocupações com as causas ambientais indicadas pelos diversos e importantes movimentos sociais vigentes. A construção de uma Manaus resiliente passa pela valorização dos seus cidadãos e pelo cuidado com a Natureza, de quem somos parte integrante e indissociável.
Nosso pedido sempre oportuno de solidariedade ao povo gaúcho na reconstrução das vidas e cidades.