Celso Amorim e o Multilateralismo

Em: 2 de maio de 2025

Em entrevista concedida ao jornal O Globo, publicada no dia 18 de abril, o ex-chanceler e atual assessor especial da Presidência da República, Celso Amorim, lançou luz sobre questões centrais da conjuntura internacional contemporânea, com ênfase especial na crescente conflitividade entre Estados Unidos e China, e suas implicações para o presente e o futuro do sistema multilateral — estrutura esta que orienta, há décadas, a diplomacia brasileira.

Celso Amorim adverte para o que considera um “perigoso risco para o sistema multilateral”, um dos pilares históricos da política externa brasileira. A crítica recai sobre os impactos do unilateralismo adotado pelos Estados Unidos, sobretudo durante os primeiros meses da presidência de Donald Trump, cuja política tarifária agressiva teria contribuído para o declínio relativo das instituições multilaterais.

A ruptura promovida por Washington, na avaliação do ex-chanceler, não é apenas simbólica, resultante de uma prática populista na área comercial; ela está claramente expressa em documentos oficiais da Casa Branca, nos quais se elogia uma lógica de acordos bilaterais e comerciais próprios do século passado, em detrimento das normas coletivas e dos organismos multilaterais de negociação colegiada criados pela própria hegemonia norte-americana.

Ao tratar da ascensão da China no século 21, Amorim segue um tom pragmático e coerente com a agenda multilateral brasileira. Segundo ele, a potência asiática hoje representa mais oportunidades econômicas ao Brasil, com menor risco relativo, em comparação com os Estados Unidos. Essa constatação não é apenas uma avaliação econômica, mas carrega implicações políticas relevantes para o futuro da cooperação internacional.

A crescente presença chinesa no Brasil e na América Latina redefine as possibilidades de inserção internacional brasileira, exigindo um reequilíbrio na condução da política externa. Celso Amorim não hesita em reconhecer que “a China tem hoje uma disponibilidade de recursos para investimento no estrangeiro que os Estados Unidos não têm.”

Nesse contexto de transformações globais, o BRICS+ ganha destaque como um importante instrumento de afirmação (e de resistência) do multilateralismo no âmbito do Sul Global. Para o diplomata, o bloco representa uma plataforma que permite a intensificação de relações bilaterais, trilaterais e multilaterais, especialmente entre Brasil, China, Rússia e os outros países do Sul Global. Apesar dos entraves gerados pela guerra na Ucrânia, a relação com Moscou, segundo Amorim, ainda se mantém sólida, pautada pelo diálogo proativo e pela divergência construtiva.

Essa disposição ao diálogo, mesmo diante de contextos adversos, revela a natureza fundamentalmente diplomática da inserção brasileira no mundo, ainda comprometida com o ideal de equilíbrio (esboçado no texto constitucional de 1988), autonomia e cooperação nas múltiplas arenas de decisão.

Ao fim e ao cabo, o alerta de Celso Amorim é claro: a crise do multilateralismo é, mais do que uma conjuntura, uma encruzilhada histórica na política internacional contemporânea. O Brasil, tradicional defensor da ordem multilateral e de uma globalização mais inclusiva, precisa reavaliar seus esforços globais para preservar os espaços de negociação coletiva e reafirmar altivamente os valores fundamentais de um regime internacional equilibrado, inclusivo e legítimo.

Isso implica não apenas resistir ao avanço de estratégias unilaterais das potências, mas também reformar e adaptar o multilateralismo às novas dinâmicas globais, em que potências emergentes, como a China, assumem um papel central na conformação das regras do jogo.

*é cientista político

Breno Rodrigo

É cientista político e professor de política internacional do diplô MANAUS. E-mail: [email protected]
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