7 de setembro de 2024

Controle legislativo em tempos de pandemia

Já em funcionamento no âmbito da Assembleia Legislativa, desde o dia 24 de maio, a CPI da Saúde do Amazonas investiga as acusações de irregularidades na aplicação de dinheiro público para contratação de serviços e formalização de contratos com empresas durante a pandemia da covid-19.

Protocolada pelo deputado estadual Péricles Rodrigues do Nascimento (PSL) no dia 30 de abril, a CPI da Saúde abrange o período que se estende de 2011 a 2020. Apesar dos esforços iniciais para concentrar o escopo do inquérito apenas nos gastos públicos com a pandemia, foi decidido incluir outros períodos, inclusive o da Operação Maus Caminhos, ocorrida em 2016, que desbaratou um esquema de corrupção na saúde pública do estado.

No pronunciamento oficial de abertura da CPI, o presidente da Assembleia Legislativa, Josué Neto, define os objetivos gerais: “CPI está subscrita por um terço dos deputados, ou seja, oito, e se destina à apuração de fato determinado. Com o efeito, entendo que a CPI atende os requisitos formais. Acolho e defiro o requerimento de instauração da CPI da Covid-19 e da saúde no estado do Amazonas”.

A postura da Aleam ganhou força depois de denúncias da imprensa local, nacional e internacional; o Ministério Público do Estado apontar ilicitudes na compra de 28 respiradores pulmonares no valor de R$ 2.970 milhões, o que levantava a suspeita de superfaturamento; e o Tribunal de Contas do Estado ter sugerido o afastamento da secretária de saúde e a suspensão dos pagamentos das empresas supostamente vencedoras do processo licitatório. Para além do cerco institucional da Aleam, MPE e TCE, o Conselho Regional de Medicina igualmente cumpriu o seu papel de fiscalização.

Embora se tenha um grande volume de denúncias contra a gestão estadual de saúde, os esforços da CPI se concentram em duas linhas de investigação: transporte de ambulâncias e plantões médicos. Há indícios substantivos de superfaturamento nos serviços prestados.

Por sua vez, a Operação Sangria da Polícia Federal, deflagrada no dia 30 de junho, buscou apurar várias práticas ilícitas como organização criminosa, corrupção, fraude em processo licitatório e desvio de recursos federais direcionados ao enfrentamento da pandemia no estado. Ação da PF contou com a cooperação do Ministério Público Federal, Controladoria Geral da União e da Receita Federal. O resultado da operação foi a prisão preventiva da então secretária de saúde do estado, Simone Papaiz e do ex-secretário, João Paulo Marques dos Santos.

Nas palavras da subprocuradora-geral da República, Lindôra Araújo, é possível “evidenciar que se está diante da atuação de uma verdadeira organização criminosa que, instalada nas estruturas estatais do governo do estado do Amazonas, serve-se da situação de calamidade provocada pela pandemia de Covid-19 para obter ganhos financeiros ilícitos, em prejuízo do erário e do atendimento adequado à saúde da população.”

A formalização da CPI da Saúde potencializou política e juridicamente as forças de oposição. No quadro geral de críticas à ineficiência do governo na estratégia de enfrentamento à pandemia da covid-19, da ampliação do cerco institucional, pressão midiática e da demanda da opinião pública por mais transparência nos gastos governamentais, o pedido de impeachment da chapa do governador Wilson Lima ganhou vida no âmbito do legislativo. Inicialmente embargada por incontáveis manobras jurídicas (procedimentalização e judicialização da agenda legislativa) e entraves regimentais (por se tratar, evidentemente, da primeira abertura de processo de impeachment na história política do Amazonas).

A ritualística do pedido de impeachment – respeitadas as devidas diferenças entre a dinâmica bicameral (Congresso Nacional) e unicameral (Aleam) – deve emular, desconsiderados os eventuais embargos jurídicos e indefinições políticas, o rito que selou o destino da ex-presidente Dilma Rousseff. Assim, de acordo com os líderes e a presidência da Aleam, fica definido que o Plenário escolhe uma Comissão Especial (reunida pela regra de proporcionalidade de partidos e líderes) que tem como função definir o presidente da comissão e de um relator. Dessa maneira, delibera-se ou não o objeto jurídico da ação, i.e., o pedido de impeachment.

Tanto a CPI da Saúde quanto a comissão de impeachment da chapa Wilson Lima e Carlos Almeida seguem como processos distintos, porém complementares e que se retroalimentam. Os dois procedimentos políticos e jurídicos – como toda CPI e processo de impeachment são na sua essência – evidenciam a capacidade do Legislativo de fiscalizar, controlar e responder institucionalmente as malversações do Executivo. O volume de provas e evidências de corrupção colocam o governador na defensiva (literalmente, no banco dos réus) e tornam o legislativo um ator institucional central no controle do processo político e na qualidade da democracia no período crítico da pandemia.

*Breno Rodrigo de Messias Leite é cientista político

Breno Rodrigo

É cientista político e professor de política internacional do diplô MANAUS. E-mail: [email protected]

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