7 de setembro de 2024

Uma Conversa Franca Sobre a Nossa Zona

Nos últimos dias tem sido acalorado o debate acerca da sobrevivência do modelo econômico desenvolvido pela Zona Franca de Manaus (ZFM) diante dos Decretos Presidenciais sobre a redução de alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Decretos 11.052 e 11.055, relativo a produtos e concentrados de bebidas. Até o presente, neste cabo de guerra entre o Estado do Amazonas e o Governo Federal, temos visto muitas discussões, posicionamentos, debates, reuniões de bancada, notas de repúdio, ações judiciais, neste aspecto, o último capítulo desta saga conta com a suspensão liminar dos efeitos dos decretos presidenciais atribuída pelo Ministro Alexandre de Moraes em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade.

No meio de toda essa discussão e como qualquer bom comunicador pode atestar, há diversos ruídos e ruídos na comunicação que não permitem que ouçamos as vozes que necessitam ser ouvidas, aclarar os entendimentos, focar nos argumentos levantados e poder enfim conversar francamente sobre as questões postas em debate. Assim sendo, permitam-me tentar iniciar uma conversa franca sobre a nossa zona, digo tentar pois há muita história desde sua criação e onde há muita história certamente há também muitas versões, eis aqui minha modesta contribuição a este importante debate em homenagem a história que todos nós amazônidas partilhamos.

A Zona Franca de Manaus foi criada pelo Decreto-Lei n.288 de 1967 como área de livre comércio, beneficiária de incentivos fiscais cujo objetivo primordial era o de ocupar a região amazônica como parte do plano de segurança nacional e preservação da soberania brasileira em nossa região. Ao longo do tempo, e de certo alcançado este objetivo, a ZFM passou a ser direcionada a outra grande missão, trazer o desenvolvimento econômico sustentável, mediante a preservação ambiental com a instalação e manutenção de indústrias em harmonia com o potencial ecológico natural existente.

Neste momento histórico, cumpre relembrar que o modelo inicialmente criado para internação de mercadorias estrangeiras e posterior distribuição para os grandes centros do Brasil foi readequado com o incremento do hoje famoso Processo Produtivo Básico e nossa ZFM se transformou em Polo Industrial de Manaus (PIM), noutros termos Manaus passou a ser também base de produção.

Outro aspecto digno de nota é que o modelo então criado principalmente para armazenamento e depósito de mercadorias, passou também a integrar em sua nova versão as áreas comercial e agropecuária, braços de desenvolvimento da ZFM pouco lembrados ou somente lembrados em momentos como os que hoje vivemos.

Em 2013 os incentivos fiscais da Zona Franca de Manaus foram prorrogados por mais cinquenta anos, ou seja, até 2073, assim temos um programa de incentivos fiscais existente há mais de meio século e com longevidade garantida em nível Constitucional para mais meio século de existência. 

A despeito de todo este histórico e tempo decorrido, raros são os estudos feitos acerca da efetividade, custos e benefícios do modelo socioeconômico adotado em nossa região. Neste particular, destaco a relevante contribuição elaborada pela Escola de Economia de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas (FGV EESP), publicado em 2019, intitulado Zona Franca de Manaus: Impactos, Efetividade e Oportunidades que dentre outros já naquele mundo pré-covid de maneira isenta e imparcial alertava

“(a ZFM é)  um modelo de incentivos fiscais sob fortes riscos de desmonte de grande parte de seu parque industrial, se medidas não forem conduzidas na direção de seu aperfeiçoamento. As consequências socioeconômicas e ambientais de eventual desestruturação do Polo Industrial de Manaus são incalculáveis, como forte perda de emprego formal, queda relevante na renda da região, redução da arrecadação tributária para todos os níveis federativos, e potencial impacto de piora na educação e no desmatamento da floresta.

Parece-nos importante a manutenção dos preceitos constitucionais para não colocar em risco o parque industrial existente, e que gera cerca de 500 mil empregos diretos e indiretos. O modelo do PIM poderia ser a base para o desenho de um programa mais amplo para todo o Estado do Amazonas.” 

Eis aí a voz que faltava em toda esta discussão, a clarificação do ruído, saber que sem o modelo Zona Franca de Manaus, adotado há mais de um século, há risco real de iminente de retrocesso, não somente para o desenvolvimento socioeconômico da região amazônica, mas redução significativa também para todos os níveis federativos.

Ao que tudo indica, o Polo Industrial de Manaus está cumprindo o seu papel relevante para o desenvolvimento socioeconômico da região amazônica, capital e interior, como também do Brasil, sendo até aqui a garantia de segurança nacional tão obstinadamente almejada por seus idealizadores na década de 60. Podemos criticar o que foi feito neste tempo? Certamente temos o  dever de fazê-lo, contudo, isto não afasta ou diminui o fato de que sem o que até aqui conquistado não teremos futuro.

Minha proposta nos próximos artigos é a de discutir um pouco destas vertentes e possibilidades, trazendo à tona o que tenho ouvido e visto em todas as oportunidades em que acaloradamente se discute o que deveria ter sido feito e até hoje não foi. Já adiantando que não basta somente afastar os ruídos e ter uma conversa franca sobre a nossa zona, mas sim nos revestir de real defensores deste ideal. Amazônidas somos todos nós e mais do que nunca quem sabe em nossa história, o nosso país é o Amazonas. 

Anderson Fonseca

Professor de Direito Constitucional. Advogado. Especialista em Comércio Exterior e ZFM

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