A carta do embaixador André Corrêa do Lago, presidente designado da Conferência das Partes (COP30), é um manifesto sobre a urgência climática e a necessidade de cooperação global. Diante da crise planetária, destacam-se cinco pilares centrais do documento e três lacunas críticas para uma transição efetiva.
O primeiro pilar é o reconhecimento da emergência climática como uma realidade imediata. A confirmação de que 2024 foi o ano mais quente da história, com temperaturas globais acima de 1,5°C, exige a adoção de ações radicais. A Amazônia, que armazena entre 150 e 200 bilhões de toneladas de carbono, está no limite: 17% de sua área já foi desmatada, aproximando-a do ponto de não retorno.
O segundo pilar é o “mutirão” global e a governança multilateral. Inspirado em saberes indígenas, o conceito de mutirão propõe uma resposta coletiva à crise climática. Estudos indicam que terras indígenas na Amazônia apresentam taxas de desmatamento 50% menores que áreas adjacentes. A carta sugere que a COP30 integre esses conhecimentos tradicionais à governança climática, uma estratégia defendida pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) em 2023 como eficaz para a mitigação dos impactos ambientais.
O terceiro pilar trata da Amazônia não apenas como vítima, mas como solução. Além de seu papel fundamental no ciclo do carbono, o bioma abriga 10% da biodiversidade global. A restauração de 12 milhões de hectares degradados na região poderia sequestrar seis bilhões de toneladas de CO2 até 2030. Soluções baseadas na natureza precisam ganhar escala regional para serem efetivas na mitigação e adaptação climática.
O quarto pilar é o financiamento climático e a lacuna entre promessas e realidade. O documento defende a destinação de 1,3 trilhão de dólares por ano até 2035 para países em desenvolvimento, mas o fluxo atual é de apenas 0,4 trilhão. Para a Amazônia, o Fundo Amazônia não pode ser o único mecanismo. Estima-se que sejam necessários 100 bilhões de dólares anuais para combater o desmatamento e promover o desenvolvimento sustentável. A COP30 precisa pressionar bancos multilaterais a reduzir burocracias desnecessárias. Segundo o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), projetos na Amazônia levam, em média, três anos para acessar recursos (BID, 2023).
Por fim, o quinto pilar aborda a sinergia entre clima, biodiversidade e direitos humanos. A integração das agendas climática e de biodiversidade é urgente. A perda de espécies na Amazônia reduz a resiliência do bioma, ampliando os riscos de savanização. A carta menciona os povos indígenas, mas não propõe metas concretas para a titulação de terras.
Apesar dos avanços apontados, há lacunas importantes que o governo brasileiro precisa enfrentar para “arrumar a casa” e demonstrar ao mundo seu compromisso com a mitigação e adaptação climática.
A primeira lacuna é a transição energética sem hipocrisia e o combate aos subsídios aos combustíveis fósseis. Enquanto o Brasil expande a exploração de petróleo na Foz do Amazonas, os subsídios globais a combustíveis fósseis atingiram sete trilhões de dólares em 2023. A carta não detalha como eliminar esses incentivos perversos. Países como Colômbia e África do Sul oferecem modelos ao criarem fundos de transição justa para realocar trabalhadores de setores poluentes.
A segunda lacuna é a regulação de setores intensivos em carbono. A agropecuária é responsável por 70% do desmatamento amazônico, mas a carta não menciona políticas para descarbonizar o setor. Tributar emissões de metano — 25 vezes mais potente que o CO2 — e vincular créditos rurais a práticas sustentáveis, como propõe o Plano ABC+ do Brasil, são caminhos subutilizados.
Por fim, a regularização fundiária para segurança social e redução de emissões é outra lacuna. A carta menciona os povos indígenas, mas não propõe metas para a titulação de terras. Atualmente, apenas 28% das terras indígenas na Amazônia estão regularizadas, deixando comunidades vulneráveis a grilagens e outros crimes.
A COP30 será um teste para o multilateralismo. Se a Amazônia for tratada como “patrimônio da humanidade” sem garantir soberania e justiça social, o evento repetirá falhas históricas. O Brasil e os brasileiros devem vincular o financiamento climático a resultados mensuráveis, como a criação de um tribunal internacional para crimes ambientais e o investimento em ciência e tecnologia tropical, aproveitando a biodiversidade para inovação farmacêutica e agrícola.
O Brasil tem a chance de liderar tanto o discurso quanto a prática. Como alerta o climatologista Carlos Nobre: “Sem a Amazônia viva, não há solução para o clima”. A COP30 deve provar que ainda há tempo para ouvir a ciência — e a floresta.