21 de dezembro de 2024

Da sociedade sólida para sociedade líquida. Vai evaporar?

Usamos as pessoas hoje da mesma forma como usamos os aparelhos  eletrônicos. Ficamos com ele até aparecer um modelo mais moderno e  com mais funções. E fazemos isso sem nenhuma culpa ou remorso. Zigmunt Bauman  

Correntes da Sociologia e da Filosofia convencionaram chamar a época do  pós-guerra – principalmente após 1960 – de pós-modernidade ou pós-modernismo.  Zigmunt Bauman, sociólogo polonês que desde a década de 70 começou a estudar  os efeitos da globalização e as mudanças na sociedade do pós-guerra, escreveu  junto com Carlo Bordoni um livro onde cunhou 2 novos conceitos: a Modernidade  Sólida, período antes da 2ª Grande Guerra, e Modernidade Líquida que se inicia  logo após. Chegou aos conceitos através da análise do comportamento das  pessoas na sociedade nestes períodos. Disse ele sobre o último período: “Vivemos  tempos líquidos. Nada é para durar.“ 

Sociedade Sólida e Sociedade Líquida 

A Sociedade Sólida tinha valores comuns, rigidez e as relações mais fortes e  duradouras. A busca pela verdade era um compromisso sério para os pensadores  desta época. Uma era de solidificação das relações humanas, das relações sociais,  da ciência e do pensamento. No novo momento, na Modernidade Líquida, a  sociedade e as relações são fugazes, frágeis, maleáveis. Por isso o conceito de  líquida. A relação econômica se sobrepõe às relações humanas e sociais,  fragilizando os laços entre as pessoas e entre pessoas e instituições.  

O consumismo é a nova moral, a nova lógica da sociedade: somos o que  podemos comprar, o que consumimos. Até afetos e atenção também podem ser  adquiridos, apesar de o interesse ser muito mais pela quantidade do que pela  profundidade, a conexão se sobrepõe ao relacionamento e a superficialidade à  profundidade. Quanto mais conexões melhor, mas com a superficialidade  necessária pois as novas relações são frágeis, eventuais e passageiras. Quanto  mais conexões maior é a ostentação e a pessoa é cada mais requisitada. Na lógica  líquida a pessoa é aquilo que ela consome, não o que ela é. O capitalismo nos  transforma também em objeto. A busca pela felicidade é uma eterna busca por  consumir o que pode aplacar a ansiedade e a tristeza. Aí há a necessidade de  busca contínua para ser feliz pois a felicidade, desta forma, é sempre passageira e  fugaz.  

Um estado de crise 

Na passagem da Modernidade Sólida para a Líquida há a sensação de que o  Estado e as Instituições não são mais capazes de cumprir suas promessas e  corresponder às expectativas. A fé e a confiança na potência desse Estado  começam a erodir. Nesta época Peter Drucker declarou que as pessoas  precisavam, deveriam e teriam em breve de abandonar as esperanças de salvação  “vindas de cima” , seja do estado ou da sociedade. Muitos ouvidos absorveram esta  mensagem e cada vez mais a percepção popular passou a contar com o coro 

crescente de um público instruído e formador de opinião. O Estado, antes o motor  poderoso do bem-estar universal, passou a ser mais um obstáculo prejudicial e até  meio odiado por sua incapacidade de cumprir esta função. No novo momento o  emprego tornou-se uma atividade individual, cada um é o empreendedor de si  mesmo. A responsabilidade do sucesso é individual, cada pessoa é uma instituição.  A exploração capitalista é menos uma exploração e é vista mais naturalmente como  o empreendedor de si mesmo vendendo sua força de trabalho ao empreendedor  que tem capital. É uma modernidade ágil, líquida, acompanha a moda, acompanha  o pensamento de sua época. As relações foram submetidas à lógica capitalista do  consumo. 

Crise. Um conceito que ilustra bem esta passagem. A crise do conceito de  comunidade traz um individualismo acelerado: “Trata-se de um consumismo que  não visa a posse de objetos de desejo capazes de produzir satisfação, mas que  torna estes mesmos objetos imediatamente obsoletos, levando o individuo de um  consumo ao outro numa espécie de bulimia sem escopo (o novo celular oferece  pouquíssimo a mais em relação ao velho, mas descarta-se o velho apenas para  participar desta orgia do desejo).” Texto de Umberto Eco numa crônica de 2015 que  clarifica com simplicidade a idéia. 

Estado de Crise (ZAHAR Editora) é o nome do livro onde Bauman e Carlo  Bordoni discutem este e outros problemas sem chegar a uma conclusão de quanto  tempo pode durar, ou ainda, o que pode vir a substituir essa liquefação. Estes  movimentos sabem o que não querem, mas não sabem o que querem. Eco finaliza sua crônica nos dando uma visão mais objetiva: 

“ Existe um modo de sobreviver à liquidez? Existe e é justamente perceber que  vivemos numa sociedade liquida que, para ser compreendida e talvez superada,  exige novos instrumentos. Mas o problema é que a política e grande parte da  intelligentsia ainda não entenderam o alcance do fenômeno. Por ora, Bauman  continua a ser uma vox clamantis in deserto”. 

 Diz mais ainda a voz clamando no deserto: “O consumismo promete algo que não  pode cumprir: a felicidade universal. E pretende resolver o problema da liberdade  reduzindo-a à liberdade do consumidor.” 

Guto Corbett

É empresário

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