DARCY RIBEIRO E A POLÍTICA INDIGENISTA (I)

Em: 3 de agosto de 2022

Breno Rodrigo de Messias Leite*

Um dos mais conhecidos, respeitados e agraciados antropólogos latino-americanos, o brasileiro Darcy Ribeiro nasceu em Montes Claros (MG), no dia 26 de outubro de 1922. Foi o principal inspirador da construção da Universidade de Brasília (UnB), onde se tornou seu primeiro reitor. Formou-se na Escola de Sociologia e Política de São Paulo (USP), em Antropologia.

Na condição de etnólogo profissional, serviu em várias missões patrocinadas pelo SPI (Serviço de Proteção ao Índio), nos territórios indígenas nas mais diversas regiões do Brasil, inclusive conviveu por longos anos com tribos do Brasil central. Publicou inúmeros trabalhos de cunho antropológico e literário. Exerceu intensa atividade política e chegou a ser Ministro-chefe da Casa Civil da Presidência da República do governo de João Goulart. Com o Golpe de 1964, exilou-se no Uruguai. Voltou ao Brasil e foi eleito vice-governador ao lado de Brizola. Em 1990, elege-se senador pelo estado do Rio de Janeiro. Morre em Brasília em 1997.

Darcy Ribeiro, na sua primeira experiência com os grupos indígenas, na época em que trabalhou como etnólogo no Serviço de Proteção do Índio (SPI), presenciou a luta pela sobrevivência e emancipação dos povos indígenas, contra a fome, a degradação humana e em defesa de sua cultura enquanto povo. Darcy Ribeiro tomou conta de que os índios no processo de integração à vida nacional sempre levavam enormes desvantagens. Daí a preocupação do antropólogo com a proteção ao índio em seu próprio território.

Podemos perceber que, por um lado, a preocupação de Darcy Ribeiro é estudar o processo de integração dos indígenas à sociedade nacional. E, por outro lado, manifestar o seu lado humanístico em defender, em denunciar os crimes e maus-tratos contra os povos indígenas no Brasil ao longo do século 20. Assim, Darcy Ribeiro resume a sua preocupação humana e científica ao escrever o livro “Índios e a Civilização”, em 1970: “é, ao mesmo tempo, um estudo científico que elaboramos com maior rigor e uma denúncia que fazemos conscientemente. Atender, por isso, a duas lealdades: fidelidade aos padrões de trabalho científico; e um profundo vínculo humano com os índios do Brasil”.

O tema da obra “Índios e a Civilização” é significativamente importante para a compreensão, formação e criação do Brasil contemporâneo, tendo como ponto central a relação entre índios e a sociedade nacional ao longo do século 20. Para o entendimento do processo de integração dos povos indígenas à “civilização brasileira”, tendo como consequências violentas de ambas as partes. “O tema deste livro [Índios e a Civilização] é o estudo do processo de transfiguração étnica, tal como ele pode ser reconstruído com os dados da experiência brasileira; e a apreciação crítica dos ingentes esforços para salvar povos que não foram salvos”. Ou seja, o tema é de fundamental importância para o estudo antropológico da diversidade dos povos indígenas nas cinco regiões do Brasil, e como cada grupo indígena reagiu à violência promovida pela sociedade nacional.

O Brasil, na reflexão de Darcy Ribeiro, não pode ser entendido na sua totalidade territorial, mas sim na sua multiplicidade cultural, social, econômica e política das regiões que o compõem.

As principais características da “Amazônia extrativista” são a sua composição econômica nativa: exploração de produtos da floresta, formação dos seringais, extração de látex na produção da borracha e a integração da economia mercantil tipo exportação. Já do ponto de vista sócio-cultural a Amazônia é marcada pela integração do índio (do Vale Rio Negro, Tapajós e Madeira e Juruá-Purus) e do civilizado (seringueiros, regatões, trabalhadores contratados etc.) numa demonstração de conflito aberto entre os grupos envolvidos.

No que toca a “As fronteiras da expansão pastoril”, Darcy Ribeiro destaca que “impacto entre os índios e o europeu assume nessas fronteiras de expansão pastoril a mesma violência de que se revestiu a penetração na floresta tropical”. Sendo que o impacto se deu entre os índios do nordeste, os timbíra as tribos do Brasil central e os índios do Brasil central. Agora a relação de conflito é entre os índios e o civilizador sertanejo.

Em relação à “Expansão agrícola na floresta atlântica” tem um ponto importante a ser salientado: a substituição da força de trabalho indígena pela africana. Os índios, por sua vez, se opuseram à ocupação dos portugueses e dos jesuítas que tinham o propósito de colonizar e expandir a indústria dos cafezais. Fizeram frente à ocupação os índios kaingáng e xokleng (que se opuseram à ocupação de colonos italianos, alemães, eslavos).

Quanto à “penetração militar em Rondônia” diz respeito ao primeiro contato de Cândido Mariano da Silva Rondon, na condição de liderar a comissão de linhas telegráficas, com índios isolados. A comissão Rondon encontrou enormes dificuldades em concluir os seus trabalhos devido à forte hostilidade dos índios presentes na região. Entretanto, Rondon já tinha o espírito pacificador. De acordo com Darcy Ribeiro, Rondon foi “maior, porém, que a obra científica foi humanística”.

Em síntese, podemos dizer que o processo de integração dos povos indígenas à sociedade nacional, na argumentação de Darcy Ribeiro, foi bastante violento. Uma vez que “os que se opuseram ao avanço das fronteiras da civilização eram caçados com feras dos igarapés ignorados da Amazônia até as portas das regiões mais adiantadas”. Além do mais, conta o fato de que os indígenas sofreram muito com o processo de integração baseado na ocupação e na violência. “Seria possível multiplicar às centenas estes exemplos; a história de cada rio, de cada igarapé da região é uma crônica destas violências”. Este exemplo do processo de violência serve para a Amazônia e para todas as regiões. Processo de ocupação baseado na violência, na exploração econômica, na opressão religiosa e na incorporação dos índios à civilização.

*é cientista político

[JC, Manaus, AM, 03/08/2022]

Breno Rodrigo

É cientista político e professor de política internacional do diplô MANAUS. E-mail: [email protected]
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