Reginaldo de Oliveira*
E-mail: [email protected] / BLOG: www.doutorimposto.com.br
A empresa comercial do centro de Belém/PA já foi um modelo organizacional primoroso, além de importante laboratório da SEFA, com avançado sistema de compliance fiscal que gerava altos custos tributários. A partir dum determinado momento a concorrência asiática tornou o ambiente competitivo extremamente desleal porque os estrangeiros não costumam embutir a carga fiscal no preço das mercadorias. Por consequência, ficou muito difícil trabalhar a partir do modelo de negócio orientado pela legalidade. O lado perverso dessa realidade sombria está na pressão governamental sobre os nativos e desatenção com a fauna exótica. Desse modo, o tal compliance foi pras cucuias; o diretor criou várias empresas do Simples Nacional, deu baixa no CNPJ de Lucro Real, articulou uma série de procedimentos com sua assessoria externa e hoje sobrevive no fio da navalha, entre o legal e o ilegal.
O comerciante de materiais elétricos da cidade de Imperatriz/MA compra muito do sul do país, como também se abastece junto a distribuidores locais. Mensalmente, faz uma série de pagamentos tributários enviados pelo contador; além do mais, alguns fornecedores costumam reter tributos na nota fiscal. Com a maior parte das mercadorias no regime do ICMS-ST, todas as vendas são classificadas com tributação normal. Ou seja, sem identificação do que é ST, o contador, provavelmente, tributa tudo na emissão do DAS. Expliquei uma série de coisas para o dono dessa empresa, mas ele demonstrou não entender várias questões. E eu aposto que o prejuízo mensal é grande.
A fonte primordial das desgraças que assolam o país se chama “não cumulatividade”, que foi criada para tornar o sistema arrecadatório mais justo. O problema está nos infinitos desdobramentos surgidos a partir do ICMS original; e também no detalhamento normativo exorbitante em que parece haver uma regra específica para cada produto. E não satisfeito, o agente fazendário criou derivações dum mesmo produto conforme maneiras diferentes de apresentação ou embalagem (é como cair num abismo sem fundo). E assim, a legislação chegou ao reino quântico em que nada bate com coisa nenhuma. No mundo real, essa loucura toda desnorteou empresários, contadores, advogados, doutrinadores, agentes fazendários etc.
O regime da não cumulatividade abre portas para engenharias fiscais das mais variadas, desde manobras grosseiras até sofisticados planejamentos tributários, os quais visam diminuir o imposto a pagar. A absoluta incapacidade da Sefaz para exercer suas atividades fiscalizatórias fomenta um ambiente de disputas sangrentas pela sobrevivência, em que fica impossível trabalhar na legalidade. O caos estabelecido pela dupla Sefaz/RFB empurra todo mundo para o abismo da ilegalidade, onde só permanece vivo aquele que decifra os códigos presentes no submundo da burocracia oficial.
O novo governo federal vem dizendo que a reforma tributária vai ser concretizada (ou concretada). O autor da PEC45, Bernard Appy, está na equipe do ministro Haddad. A ideia por trás dessa PEC45 é totalmente ensandecida e impraticável. Na verdade, tudo que partir do poder público vai piorar o que já é ruim.
O sistema econômico como um todo precisa funcionar sem entulhos burocráticos ou entraves normativos. Inclusive, nós já temos dois modelos fiscais exaustivamente testados e que podem muito bem ser ampliados pra tudo quanto é tipo de operação envolvendo produtos. Trata-se do Simples Nacional e da Substituição Tributária do ICMS.
A ideia por trás duma reforma tributária verdadeira está na cobrança única pela entrada dos produtos na unidade federativa estadual – algo semelhante ao processo de desembaraço aduaneiro de produtos oriundos de outros países. O valor pago pelas empresas seria repartido entre os entes fazendários competentes. Desse modo, acabaria ICMS, IPI, PIS, COFINS etc. Acabaria também a famigerada apuração; acabaria a tal da não cumulatividade. Acabaria ainda o festival de codificações e a loucura dos controles infinitamente pormenorizados que ninguém sabe decifrar. Os órgãos fazendários se livrariam duma carga colossal de análises investigativas, podendo assim enxergar com mais clareza os objetos de fiscalização. O problema dessa utopia delirante está na indústria do contencioso fiscal que seria ferida de morte. Daí, que muita gente poderosa vai lutar com unhas e dentes pra que tudo fique como está.
Pra quem duvida da eficiência dessas propostas, basta olhar para o modelo que vigorou no estado do Acre até 2015, o qual era caracterizado pela inexistência de apuração (tudo era antecipado). Os empresários acreanos viviam no paraíso em comparação a outros estados. Como praticamente todos pagavam o mesmo ICMS, havia pouco espaço para concorrência desleal. Inclusive, não se observa discrepâncias exageradas no mercado de combustíveis porque os tributos são retidos antes de chegar aos postos de abastecimento. E a gasolina ainda possui uma característica que deveria ser comum a todos os produtos: o ICMS fica integralmente no local de consumo.
A bem da verdade, o que as empresas precisam é sair do inferno tributário; precisam trabalhar em paz, como acontece nos EUA, em que não existe imposto na produção nem na distribuição, cabendo ao varejista repassar ao erário, aquilo que retém do consumidor final. Curta e siga @doutorimposto. Outros 470 artigos estão disponíveis no site www.next.cnt.br
* é consultor empresarial, palestrante, professor do ensino superior e especialista em capacitação profissional nas áreas de ICMS Básico e ICMS Substituição Tributária.