Em julho de 2019 o presidente Jair Bolsonaro, durante um café da manhã com correspondentes internacionais no Palácio do Planalto, declarou que passar fome no Brasil é uma grande mentira. Complementou que não se comia bem, mas não se passava fome. Já em 2020 o presidente brasileiro, em seu discurso na Assembléia Geral das Nações Unidas no dia 22 de setembro, disse que o Brasil alimentava o mundo. Então como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE afirma que a fome voltou a crescer no país?
Antes de falarmos da fome no Brasil devemos saber sobre a fome no mundo. A Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura – FAO publicou em julho deste ano o relatório “Estado da segurança alimentar e nutrição no mundo 2020″ e a estimativa mais recente mostrou que antes da pandemia COVID-19, quase 690 milhões de pessoas, ou 8,9 por cento da população global, estavam subnutridas.
Projeções preliminares com base nas últimas informações econômicas globais disponíveis, também apresentadas no relatório, sugerem que a pandemia COVID-19 pode adicionar um 83 a 132 milhões de pessoas adicionais às fileiras dos desnutridos em 2020. Além da fome um número crescente de pessoas teve que reduzir a quantidade e qualidade da comida que consomem. Dois bilhões de pessoas, ou 25,9 por cento da população global, passou fome ou não tinha acesso a alimentos nutritivos e suficientes em 2019.
No Brasil o IBGE realizou a pesquisa “Orçamentos Familiares 2017-2018: Análise da Segurança Alimentar no Brasil”, sendo a primeira vez que esse tipo de estudo traz as prevalências de segurança alimentar, segundo a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar – EBIA. O conceito de segurança alimentar nasceu na década de 70 e conforme a FAO a segurança alimentar ocorre quando todas as pessoas têm acesso físico, social e econômico permanente a alimentos seguros, nutritivos e em quantidade suficiente para satisfazer suas necessidades nutricionais e preferências alimentares, tendo assim uma vida ativa e saudável.
A pesquisa do IBGE concluiu que 36,7% da população brasileira tem um grau de insegurança alimentar, onde 4,6% apresentam uma insegurança alimentar grave, ou seja, passam fome. Comparando com a pesquisa feita em 2013, quando o percentual da população com insegurança alimentar grave era de 3,2%, nos últimos 5 anos ocorreu um aumento de 3 milhões de pessoas que passam fome. Em 2013 eram 7,2 milhões e agora são 10,3 milhões de brasileiros.
Considerando a população brasileira residente, estimada em 207,1 milhões de habitantes, 122,2 milhões estão em situação de segurança alimentar – SA, enquanto 84,9 milhões estão com algum índice de Insegurança Alimentar – IA. Dos que não se alimentam de forma satisfatória 56 milhões estão com IA leve, 18,6 milhões com IA moderada e 10,3 milhões com IA grave. Desses 10,3 milhões que passam fome temos 7,7 milhões de moradores em domicílios localizados na área urbana e 2,6 milhões na rural.
A pesquisa ainda aponta que os habitantes das regiões Norte e Nordeste são os que apresentam os maiores percentuais da população com Insegurança Alimentar e que essas pessoas têm menos acesso à água e esgoto, sendo mulheres e pardos predominantes como pessoas de referência em domicílios com IA grave.
Falar de fome não é simples, pois esse mal é resultado de vários fatores, com uma complexidade de interesses envolvidos. O problema existe e o que não pode ocorrer é deixar de combatê-lo ou fingir que está solucionado. A fome cresceu no Brasil, apesar de alimentarmos o mundo, que também passa fome.