Em busca da equidistância

Em: 17 de março de 2022

A política externa brasileira não tem um único dia de sossego. Depois de dois anos de aplicação de uma deliberada anarquia na agenda diplomática, vínhamos, sob a liderança do chanceler Carlos França, recuperando paulatinamente algumas posições na arena internacional. O atávico isolacionismo imposto pelos primeiros dois anos de chancelaria vinha aos poucos sendo rompido e substituído por uma postura moderada e menos radicalizada. Recuperar o prestígio internacional da diplomacia brasileira não é tarefa fácil, mas é possível, sim, sobretudo quando o país possui um histórico de boas realizações e parcerias nas relações internacionais.

O colapso do trumpismo no processo eleitoral norte-americano de 2019 causou uma profunda crise na orientação da política externa brasileira de então. O engajamento ideológico com a alt-right do hemisfério norte e da Europa esmoreceu e, por isso, precisou ser retirado do horizonte estratégico da política nacional. A eleição de Joe Biden foi a principal responsável pela inflexão na estratégia da política externa bolsonarista. A escolha preferencial por Donald Trump e as falas do presidente brasileiro levantando suspeitas sobre a lisura do pleito que assegurou a vitória de Biden aprofundaram o distanciamento dos dois presidentes.

As relações da política exterior do Brasil com a China tampouco foi respeitosa e cordial. As autoridades brasileiras acumularam vários atritos com os representantes do nosso maior parceiro comercial. Os filhos do presidente da República e o ministro das Relações Exteriores em pessoa, Ernesto Araújo, trocaram insultos públicos com o embaixador chinês no Brasil, Yang Wanming, pelo Twitter. A China tornou-se alvo preferencial da guerra cultural contra a potencial influência comunista que a nação asiática exerce no Brasil e no mundo.

O isolacionismo como método diplomático alcançou também nações historicamente vinculadas aos interesses econômicos e políticos do Brasil, como a Argentina de Alberto Fernández, a França de Emmanuel Macron e a Alemanha de Angela Merkel. O trabalho de desconstrução da política externa foi profundo e certamente levará tempo para recuperarmos in totum a identidade internacional do país no exterior.

Diante das incertezas globais e do reposicionamento estratégico da política internacional brasileira, o chanceler Carlos França optou pela tática imediata – e não pela estratégia de longo prazo –de contenção de danos da imagem internacional sem, contudo, perder de vista, ainda neste tom de uma agenda internacional minimalista, as preferências ideológicas do presidente e de sua entourage. No limite, temos uma definição pontual de política externa ainda com evidentes preferências ideológicas, mas sem promover uma atitude de confronto direto com outros chefes de Estado, tal como a política externa atabalhoada dos primeiros dois anos.

O último tour diplomático do presidente da República parece ter explicitado esta nova orientação comunicativa em dois momentos. No primeiro, a sua visita à Rússia de Vladimir Putin esteve envolta de preocupação, sobretudo das autoridades norte-americanas. Afinal, a decisão da Rússia de ir à guerra já estava internamente sacramentada e a visita do presidente brasileiro poderia reforçar a ideia de que o Brasil endossava o ato de agressão militar contra a Ucrânia. Mas, diferentemente da percepção dos EUA, a presença do presidente foi protocolar, com um discurso bem abaixo do tom usual e preocupado fundamentalmente em ampliar a parceria comercial com a Federação Russa, sobretudo o abastecimento de fertilizantes necessários para a agricultura brasileira.

Já o segundo momento da viagem ao Leste Europeu foi marcado pela parada do presidente na Hungria de Viktor Orbán. O premier húngaro esteve na cerimônia de posse do presidente em 2019 e a visita de Bolsonaro já era aguardada. A presença de Bolsonaro na Hungria teve um significado especial para os dois líderes que são vistos como expoentes do novo nacional-populismo de direita. Diferente da Rússia, dessa vez, o discurso presidencial em terras húngaras emulou a estratégia bolsonarista de utilizar o palanque da política internacional para se comunicar com o seu eleitorado doméstico. Na oportunidade, o presidente enfatizou dois temas: a proteção da Amazônia e a defesa da família tradicional.

Dada a construção errática dos primeiros dois anos da política externa, parece-me que agora se busca um caminho de recuperação e de reposicionamento do Brasil no tabuleiro internacional. A invasão da Ucrânia pelas forças armadas russas embaralhou mais uma vez o jogo e, novamente, o Brasil voltou a ter algum protagonismo. A postura oficial do Ministério das Relações Exteriores (não confundir com as atitudes ambíguas do presidente da República) foi precisa por condenar o conflito, mas sem condenar explicitamente as autoridades russas. (Os russos são nossos parceiros estratégicos no Brics). Num segundo momento, não buscou atuar como parte do conflito, mas sim com um país que busca a solução pacífica, fato que não provocou o desagravo dos norte-americanos nem dos russos. Num terceiro momento, cogitou-se a possibilidade de retomada das negociações da cooperação intrabloco UE-Mercosul, travado desde 2019.

Devemos ver a estratégia da equidistância sob dois aspectos. Em primeiro lugar, não se distanciar dos EUA, o maior país do hemisfério, maior economia do mundo e superpotência nuclear. Em segundo, não permitir que a Rússia crie uma relação de hostilidade com nosso país, uma vez que somos membros dos Brics, bem como dependentes de fertilizantes agrícolas do país do Leste Europeu. É um jogo perigoso e arriscado, mas que pode render bons frutos para o Brasil. 
*é cientista político e professor de política internacional do diplô MANAUS (curso preparatório para o Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata, CACD). Email: [email protected]

Breno Rodrigo

É cientista político e professor de política internacional do diplô MANAUS. E-mail: [email protected]
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