A judicialização do processo de tombamento do Encontro das Águas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) arrasta-se por mais de uma década e ganhou, no último dia 08 de novembro, um pedido de prazo de mais 120 dias à ministra Cármen Lúcia (STF). Pedido, aliás, feito pelo ministro Augusto Aras (PGR), de forma que as partes interessadas (grupos empresariais, autarquias e Ministério Público Federal – MPF) possam complementar as argumentações expostas indicativas à conciliação e pacificação do conflito.
No centro das discussões, o ato de criação do Encontro das Águas (o encontro entre os rios Solimões e Negro, que formam o rio Amazonas) como patrimônio histórico, cultural, arqueológico, paleontológico, geológico, estético e paisagístico, que impede a construção de um novo porto cargueiro – o Porto das Lajes.
Alegam as ações ajuizadas por movimentos sociais e pelo MPF que haverá desfiguração do cenário natural do Encontro das Águas a partir da implantação do empreendimento e movimentação intensa de navios de carga.
Fato é que, há 11 anos, investimentos importantes na logística do Amazonas, de grupos empresariais aqui instalados, aguardam o desfecho de tantos desencontros e, a única certeza, é que todo o processo de licenciamento ambiental continua suspenso aguardando o posicionamento do Judiciário.
Para uma análise detalhada do tema, sempre levo minhas turmas de Ciências Ambientais na Ponta das Lajes, local onde o saudoso arquiteto Oscar Niemeyer assinou seu último projeto – o Mirante do Encontro das Águas -, que, parece, será resgatado pela Prefeitura de Manaus. É comum quando se pesquisa o tema na internet, aparecer a imagem de um grupo com uma faixa do Movimento SOS Encontro das Águas estendida, exatamente, nessa área.
Entrego aos alunos para fotointerpretação a impressão da imagem de satélite da região, que reproduz o belo contraste de cores das águas que ali se encontram – não se misturam, mas, sublimando conflitos, correm juntas formando o Amazonas, nosso “rio mar”.
Meu olhar poético ao ver a paisagem lúdica do mirante, depois das naturais fotografias e “selfies”, questiona: caros alunos, no campo de suas visões, poderiam localizar a área proposta de implantação do porto cargueiro?
Na área do mirante, no campo de nossas visões, só se vê e verá o Encontro das Águas…
O tal porto privado, se implantado, estará a jusante, no rio que se torna Amazonas, na mesma margem esquerda do mirante, contudo, posicionado depois da tomada de abastecimento de água da Ponta das Lajes e da planta industrial Alumazon.
Uma pergunta recorrente dos alunos era: mas, professor, em logística, nosso polo industrial e metrópole estão limitadas a apenas duas grandes estruturas portuárias… um novo porto não daria maior competitividade e menor vulnerabilidade à Zona Franca de Manaus?
Lembrava o discente do sufoco que Manaus passou, com falta de insumos, no evento de rompimento do talude do Porto Chibatão, localizado na margem esquerda do rio Negro, que provocou apagão logístico no Polo Industrial de Manaus pela paralisação das operações de carga e descarga.
E continuavam a questionar: e, se o novo empreendimento portuário teve seus estudos prévios ambientais aprovados e licença emitida, contudo, suspensa, judicialmente, não seria mais lógico, professor, construir-se relações de governança que promovessem a comunhão entre os interesses das comunidades lindeiras, que clamam pelo tombamento patrimonial da região, e os programas ambientais e investimentos em responsabilidade social corporativa previstos a partir da implantação e operação do porto?
Reconhecer em meus alunos, através de seus questionamentos, a coerência e a maturidade postural, crítica e profissional exigidas à análise do caso é motivo de grande motivação pessoal, como professor.
Talvez, a estratégia simples de se discutir o tema reunindo os diversos atores envolvidos ao ar livre, na área onde será construído o Mirante Encontro das Águas, fora de gabinetes e escritórios refrigerados, torne mais claro o que está por trás das faixas que buscam socorro, dos movimentos e seus verdadeiros desejos.
Entre tantos desencontros, é inteligente, sensato e sustentável a saída que promova o encontro entre o desenvolvimento logístico local e a preservação do nosso patrimônio natural. Ou seja, promova, longe dos rios, outro ‘Encontro das Águas’.