23 de novembro de 2024

Encontro de notáveis — Parte IV

Lentamente o professor Caraíba abriu os olhos. As paredes do banheiro não se mexiam mais. Novamente sentiu o sangue circulando em suas veias. O coração bateu acelerado. Controlou a respiração. Sentiu-se vivo outra vez. 

Fez um esforço grande, mas levantou-se. Tateando com as mãos, caminhou de volta para o quarto. É verdade que as pernas ainda estavam um pouco bambas, mas caminhou. Caiu na cama como um morto.

Depois de um longo sono, o professor Caraíba tocou o rosto e as pernas para certificar-se de que estava tudo bem. Repetiu o gesto umas três vezes. Mas não. Tudo parecia ter voltado ao estado natural de antes. Inspirou e respirou, aliviado! 

Somente uma coisa não havia mudado: a mente do professor Caraíba. Na escuridão do quarto, os seus pensamentos eram mais escuros que a própria noite. — “Meu Deus do céu, o que está acontecendo comigo?”.

O professor Caraíba vivia sozinho há anos naquele apartamento. Não tinha esposa e nem filhos. Não exista ninguém para ajudá-lo. Tirando o seu amigo Hermes, um gato da raça siamês, que dormia placidamente no outro lado da cama, não existia outro ser vivo no quarto, ou havia?

Tudo estava em silêncio. Um silêncio pesado. Foi à amante do filósofo alemão Heidegger que começou a falar: — “Uma vida sem pensamento é totalmente possível, mas ela fracassa em fazer desabrochar sua própria essência – ela não é apenas sem sentido; ela não é totalmente viva. Homens que não pensam são como sonâmbulos” — Hannah Arendt. E completou: — “Em nome de interesses pessoais, muitos abdicam do pensamento crítico, engolem abusos e sorriem para quem desprezam. Abdicar de pensar também é crime”.

Simone de Beauvoir, pedindo a palavra, disse: — “É pelo trabalho que a mulher vem diminuindo a distância que a separava do homem, somente o trabalho poderá garantir-lhe uma independência concreta”; “O fato de que sou escritora: uma mulher escritora, não uma dona-de-casa que escreve, mas alguém cuja existência, em sua totalidade, é comandada pelo ato de escrever”; “Ninguém nasce mulher: torna-se mulher”. E concluiu: — “Que nada nos defina, que nada nos sujeite. Que a liberdade seja a nossa própria substância, já que viver é ser livre”. 

— “Em minha casa, tudo tem sentido, tudo me traz referências. Gosto de comprar coisas e arrumá-las em torno de mim. Assim, quando me perco, a casa me situa”; “O Homem precisa de algum conhecimento para sobreviver, mas para viver precisa da arte”; “Tudo que nasce tende a morrer para que a vida continue. É porque sabemos que vamos morrer que temos urgência de viver”; “A dor da alma nada mais é do que seus limites se rasgando para caber mais mundo” — discursou Viviane Mosé.

— “Aqui no Brasil, como se criou esse mito da “democracia racial”, de que todo mundo se ama e todo mundo é legal, muitas vezes o próprio sujeito negro tem dificuldade para entender que nossa sociedade é racista”; “É importante estarmos em todos os lugares. Estarmos contra a maré, no lado da resistência. Precisamos encontrar estratégias e conversar com um número maior de pessoas”; “Minha luta diária é para ser reconhecida como sujeito, impor minha existência numa sociedade que insiste em negá-la” — disse a filósofa, ativista e escritora brasileira Djamila Ribeiro.

E todos ficaram encantados quando Cora Coralina começou a declamar o seu poema “Aninha e Sua Pedras”: — “Não te deixes destruir… Ajuntando novas pedras e construindo novos poemas. Recria tua vida, sempre, sempre. Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça. Faz de tua vida mesquinha um poema. E viverás no coração dos jovens e na memória das gerações que hão de vir. Esta fonte é para uso de todos os sedentos. Toma a tua parte. Vem a estas páginas e não entraves seu uso aos que têm sede.”

Uma das participantes que estava distraída, perguntou: — “Quem é essa que está falando?”. Cora Coralina com a sua mansidão e sabedoria de sempre, respondeu-lhe: – “Eu sou aquela mulher que fez a escalada da montanha da vida, removendo pedras e plantando flores.” E finalizou: — “Nada do que vivemos tem sentido, se não tocarmos o coração das pessoas”.

Luís Lemos

É filósofo, professor universitário e escritor, autor, entre outras obras, de "Filhos da Quarentena: A esperança de viver novamente", Editora Viseu, 2021.

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