23 de novembro de 2024

 “Estado ou Iniciativa Privada? Uma questão de Bom Senso.”

No Brasil – e na maioria dos países da América Latina – a gestão pública é considerada em geral como deficiente. Nas comparações com o setor privado, o Poder Público muitas vezes parece um dinossauro que atropela e atrapalha tudo e a todos e que, na sua caminhada paquidérmica, deixa rastros de destruição e desalento. Por outro lado, em certas ocasiões conglomerados da iniciativa privada podem agir como feras predatórias, que desprezam os direitos dos cidadãos e o meio ambiente, colocando a lógica da acumulação de lucro e de capital acima dos interesses individuais e coletivos.

Do ponto de vista ideológico, esquerda e direita vem se digladiando há séculos a respeito dos papeis do Estado e os da iniciativa privada. Mais recentemente, no campo social, o terceiro setor também se tornou referência nesta competição, que pode ser frutífera ou prejudicial. Sinceramente, penso que as correntes moderadas de esquerda e de direita não estão necessariamente erradas nas suas análises e visões sobre o que o Estado deve ou não fazer em relação à gestão dos serviços públicos. Depende do quanto as necessidades da população são consideradas diante das conjunturas socioeconômicas. 

Ressalte-se que as conjunturas que perpassam a vida das nações são diversas entre si. E mudam constantemente, demandando mais ou menos intervenções do Estado no ambiente econômico e nos serviços públicos. Assim observa-se governos de direita adotando certas práticas defendidas pela esquerda e vice-versa. Se isso ocorre com racionalidade e espírito público é provável que boas soluções se efetivem, em favor do bem-estar dos cidadãos.

No Brasil podemos observar diferenças programáticas significativas, nos âmbitos nacional, regionais e estaduais, que dependem da correlação das forças políticas e econômicas preponderantes. Um exemplo a ser citado é o da SABESP, a empresa pública de saneamento do estado de São Paulo. Trata-se da maior companhia estatal do segmento em nosso país e nunca foi privatizada, nem em governos considerados à direita no espectro político. Predominou a visão, a meu ver acertada, de que serviços de relevante interesse público, especialmente onde inexista possibilidade efetiva de concorrência, não devem sair do controle estatal para se tornarem monopólios privados. Nesse sentido, serviços de abastecimento de água e de coleta de esgoto, que exigem uma infraestrutura cara e unificada, quando são privatizados costumam passar para a esfera de uma única empresa privada. Este é um risco enorme, apesar das agências reguladoras, criadas no governo FHC, terem a responsabilidade de se posicionar na defesa do interesse social, coadunado com a viabilidade econômica. Ocorre que essas agências não costumam dispor de instrumentos eficazes para coibir abusos ou para direcionar investimentos de interesse das camadas menos favorecidas da população. Uma situação exemplificativa do Amazonas, foi o da privatização da Amazonas Energia que, como empresa privada detém o monopólio de distribuição de energia elétrica em todo o estado.

Tive a oportunidade de fazer um curso de extensão de cooperativismo no chamado País Basco, que faz parte da Espanha. Em Bilbao, a capital da província basca, tomei ciência de um modelo interessante e eficaz de gestão pública do sistema abastecimento d’água e saneamento do município. Foi constituído um Consórcio formado por representantes dos três níveis do Estado: o Município, a Província e o Governo Central da Espanha. Este modelo funciona muito bem, gerido e autofiscalizado pelos diferentes níveis institucionais, como também pelos respectivos legislativos. Eficiente, transparente e com tarifas módicas. Lembro-me que estas tarifas eram inferiores às de Manaus, praticadas na época pela empresa “Águas do Amazonas”. Considerando a renda média dos manauaras em comparação com os citadinos de Bilbao, as tarifas se tornavam ainda mais diferenciadas, em desfavor dos moradores de nossa capital. Essa situação perdura.

Quanto aos serviços de energia elétrica no País Basco, aprendi que todos os consumidores, residenciais ou comerciais, podem fazer trimestralmente a opção de serem atendidos por empresas que concorrem entre si, no caso, duas ou mais à disposição da população. Lá, portanto, os serviços de energia elétrica são privados, mas existe concorrência direta entre as empresas. Os consumidores possuem o direito de escolha do serviço que melhor lhes convier.

Como já escrevi em outro artigo, penso que nós brasileiros devemos conhecer, aprender e apreender o que existe de bom em experiências de gestão pública de outros países. Ao invés de ficarmos presos à falsos dilemas, podemos desenvolver alternativas inteligentes, eficazes e eficientes, tanto no que diz respeito aos direitos da população quanto à viabilidade econômica dos serviços públicos, principalmente os considerados essenciais. Para mim não se trata de uma questão ideológica estatista ou privatista, mas antes de tudo de bom senso e de vontade política voltada para o bem comum da sociedade.

Luiz Castro

Advogado, professor e consultor

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