23 de novembro de 2024

         Exercício de liderança na gestão pública: desafio de consciência.

A ineficácia do Poder Público se expressa pela forma improvisada e fragmentada como atua em diversos campos, felizmente não em todos. Além das interveniências político-eleitorais imediatistas, que costumam atrapalhar a execução de atividades essenciais, há gestores que não possuem uma visão organizacional clara das políticas públicas da sua área de atuação. Esquecem que um bom planejamento é fundamental para alcançar as metas pretendidas. Fixam-se no atendimento de urgência ou até emergencial – dos problemas que surgem além do horizonte rotineiro do funcionamento da “máquina” que dirigem, ou pretendem dirigir. Muitas vezes acabam atuando mais como “comandantes” de corpos de “bombeiros burocráticos”, tentando apagar incêndios que poderiam ter sido evitados… Pior quando estes estragos são provocados pela desordem da gestão pela qual são responsáveis.

Acredito na essencialidade de boas lideranças, com efetiva capacidade profissional, que disponham dos necessários conhecimentos técnicos, mas os complementem com habilidade política e valores éticos de justiça e de bem comum. Lideranças verdadeiramente engajadas no seu propósito, que não estão pensando primeiramente em enriquecimento próprio, mas se sentem realizados com a maneira como atuam e os resultados alcançados no âmbito de sua gestão. Evidencia-se aqui a importância dos modelos de liderança, desde o alto escalão até os intermediários. Ou seja, bons líderes com boas equipes. Um fluxo constante e eficiente de comunicação, capacidade de exercer autoridade sem cair nos vícios do autoritarismo. Precisam saber ouvir os especialistas, sempre que for necessário tomar decisões importantes. E quando me refiro aos especialistas, não penso apenas nos técnicos, mas também nos políticos, nos representantes da sociedade civil e das entidades de classe, bem como nas pessoas do povo que serão diretamente beneficiadas – ou não – pelas ações a serem desenvolvidas.

O equilíbrio entre as tensões das demandas e a intensidade e efetividade das respostas, por incrível que possa parecer, depende bastante da personalidade de quem lidera o processo decisório macro, assim como dos líderes da execução. Nem sempre os gestores podem escolher com o critério técnico e ético suas equipes. Esta independência de escolha de membros de equipe precisa ser priorizada, principalmente no núcleo de gestão, mas evitando o exclusivismo vicioso, seja de caráter político ou personalista. O gestor de cada área, portanto, precisa ter uma liberdade relativa de escolha de sua equipe de confiança, porque deve ser orientado pelo bom senso de quem detém o poder maior de decisão no Poder Público, o governante. Assim, devem ser respeitados os parâmetros de racionalidade e equilíbrio.

O sistema público brasileiro é fundamentado num arsenal legalista muito extenso e complexo, que tantas vezes burocratiza e emperra as ações. Não sou contrário às bases jurídicas da gestão pública, ao reverso, sei que são fundamentais para garantir um mínimo de governabilidade para o bem comum da sociedade. Mas o exagero instrumental pode se tornar pernicioso. Tomando emprestado da medicina, “doses cavalares” de remédios tendem a torná-los venenosos, portanto, perigosos. Trata-se do sentido da expressão popular de “dar um tiro no próprio pé”. Excesso de leis e de outros regulamentos, que podem inclusive conflitar entre si, atrapalham a eficiência e a eficácia da máquina pública. Podem até mesmo inviabilizar boas intenções dos gestores. 

Uma questão fundamental é saber comandar. Outra, saber ser comandado. Equipes bem-preparadas, com líderes engajados e éticos, tendem a alcançar sucesso nas suas ações, desde que as premissas sejam verdadeiras. Cito como exemplo de premissa, na área de Engenharia, a necessidade de um cálculo estrutural preciso para edificar obras como pontes, viadutos, passarelas, prédios etc. Além de outras medidas indispensáveis, preventivas de desastres, como desabamentos e incêndios. Neste campo, o Brasil certamente evoluiu e deverá continuar a evoluir. Mas ainda ocorre um “estranho fenômeno de excesso de “aditivos” de contratos de obras, a maioria denotando “esquecimentos” e/ou “equívocos” na elaboração dos projetos técnicos. Açodamento e/ou intenções perniciosas podem predominar sobre a eficiência técnica.

Penso que os políticos devem valorizar e apoiar gestores com competência técnica e valores éticos. Mas eles próprios precisam ter o compromisso de, ao fazer reivindicações ou tomar decisões, também terem o norte do superior interesse coletivo acima dos interesses individuais. Infelizmente se estabeleceu um sistema político-eleitoral que beneficia os “espertos” em detrimento de pessoas sérias. E até mesmo os governantes bem-intencionados se veem obrigados a ceder a pressões interesseiras. Estas pressões costumam vir de aliados de ocasião, que se aproveitam do “poder” para benefício próprio, “oferecendo” governabilidade e/ou vantagens indevidas para permitir que os governantes continuem seu trabalho. O mais evidente e entristecedor exemplo deste processo no Brasil está no tão falado “Centrão” no Congresso Nacional… Desde o Governo Sarney até os dias atuais, os parlamentares do “Centrão” atuam como indispensável “fiel de balança” para aprovar as principais pautas na Câmara dos Deputados e no Senado da República. O presidente que não ceder às suas pressões provavelmente não conseguirá desempenhar seu mandato. Assim, cabe à população fazer uma análise crítica mais profunda para as escolhas de seus representantes parlamentares, abdicando de vantagens individuais, tantas vezes disfarçadas de “agrados” eleitorais. Não basta escolher governantes bem-intencionados e bem-preparados, se as Câmaras Municipais, as Assembleias Legislativas e o Congresso Nacional não sejam também majoritariamente compostos por políticos do bem comum, disposto a colocar os interesses maiores da sociedade acima de seus próprios interesses pessoais.

Finalizo lembrando que lideranças efetivamente comprometidas com os interesses coletivos do povo, dependem do próprio povo para se eleger e para governar. No dia em que a maioria da população compreender melhor este processo e não se deixar levar por promessas e vantagens individuais oferecidas por quem busca o voto por interesse particular de poder e não de missão, os bons políticos poderão exercer mandatos exemplares, nos parlamentos e nos governos. Não podemos desistir de sonhar com essa evolução para o nosso país. A fim de que isso possa acontecer, me parece fundamental que trabalhemos de modo firme e persistente para ajudar a construir uma verdadeira consciência política do povo brasileiro.

Luiz Castro

Advogado, professor e consultor

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