De vez em quando escutamos sobre alguém em greve de fome por reivindicações às vezes sérias, às vezes levianas. Este tema em que a Bioética se aprofunda nos dias atuais deixo-a para próximo artigo não sem antes dar meu pessoal conceito sobre isso: greve de fome é luxo onde milhares tem a dieta do lixo. Estão contabilizados por organismos sérios e competentes o número de 900 milhões de seres humanos a sofrer por causa da fome ao mesmo tempo afirmam que o planeta pode oferecer a cada uma ração de alimentos necessária. A fome mina a dignidade da pessoa gravemente. Além dos danos físicos e mentais. As crianças são as primeiras vítimas dessa situação degradante. Basta ir nas feiras de Manaus ou nos lixões para ver crianças catando restos de comida, iogurtes vencidos mostrados às mães como se tivessem achado um tesouro…Agora passo a visualizar o mundo visto desde Manaus e falar de lágrimas. Lágrimas de fome e de crianças. Estamos cientes que estas choram como um mecanismo de defesa quando sentem fome, sede, frio, calor ou estão doentes. Muitas crianças são afortunadas e conseguem em menos de um minuto de choro serem ninadas, acalentadas por seus pais. Mas existem milhões que não obtém nem uma coisa nem outra. Conta-nos o escritor. Manuel Vincent presente no acampamento de refugiados ruandeses na Tanzânia que as crianças famélicas, mais parecendo zumbis, não choravam. Somente olhavam fixamente para suas mães. Depois o médico do local explicou que ali as crianças não choravam. Não choravam porque seus cérebros já haviam codificado através da ampla e continua miséria herdada, que o pranto não lhe servia de nada. A dor estava assimilada ao silêncio. Na tragédia do Haiti foi veiculada constantemente na internet uma foto de um menino resgatado vivo dos escombros depois de 50 horas soterrado. Ele tem lágrimas nos olhos, mas tampouco chora. Sem dúvidas aprendeu a lição muito antes de nascer, já que no Haiti a miserabilidade do povo era uma constância há muito. Os pequenos sabem que no final do choro não existe ninguém para consolálos. A dor estava assimilada ao silêncio de suas lágrimas. Que isso sirva ao menos de exemplo aquela mãe e pai que deixam seu Filho rolar no chão de um “shopping” aos berros, esperneando em choro alto. De birra. Não havia conseguido que seus pais lhe comprassem um tênis caríssimo. Os pais impotentes perante a cena do “mimado” paparicavam-no com palavras doces inutilmente, até a chegada de seguranças do próprio centro comercial que vieram conferir o fato. Na Manaus sem dinheiro farto, bastava um olhar mais sério dos pais para o cérebro da criança codificar que o choro de nada valeria a um filho criado na realidade econômica e social de sua época. Lembro desse tempo de um filho único, criado com tere-te-tês que um dia, doente de difteria [não existiam as preventivas vacinas] desejou comer uma canja de galinha. E galinha na Manaus sem dinheiro dos anos cinquenta era coisa de gente abastada financeiramente e difícil de se achar. O pai correu os quatro cantos de Manaus e não encontrou o desejado, não fosse um parente próximo presentear a criança chorona com um frango de sua criação caseira. Essa inflexível lei do mercado fazia da galinha seu ídolo e seus ovos de ouro. A oferta era menor que a procura. Quando a colônia japonesa nos anos 60 aqui chegou com eles vieram à fartura de galinhas, ovos e etc. Pois com seu trabalho voltado para granjas e hortas tudo aqui ficou muito mais farto. Quanto às crianças da fome só lhe resta o saber entender o caos e a dor da existência. Em silêncio. E esperar a solidariedade que vimos miraculosamente surgir. Se não a vida seria “puro ruído e fúria” como dizia Shakespeare.
CARMEN NOVOA SILVA, é Teóloga e membro da Academia Amazonense
de Letras e da Academia Marial do Santuário Nacional de Aparecida-SP