22 de novembro de 2024

Injustiças amazônicas: a Exclusão pela Geografia (I)

Fala-se muito -e com razão – a respeito da exclusão de gênero, de etnia ou raça e de renda. Mas pouco se aborda outro tipo de exclusão: a que denomino de “exclusão pela geografia”. Sendo mais preciso, pelas circunstâncias específicas das distâncias, dificuldades de acesso e custos relativos entre cidades, estados e até países. Este tipo de exclusão afeta profundamente nossa região, especialmente a chamada “Amazônia Profunda”, onde estão situados os municípios mais longínquos das capitais dos estados da região. Esta conjuntura afeta diretamente, mais ou um pouco menos, a maioria absoluta dos municípios amazonenses, causando prejuízos enormes para o desenvolvimento econômico e a inclusão social das populações que neles habitam. Infelizmente esta desigualdade é uma triste realidade do interior. Falta uma verdadeira Política Pública de inclusão e de bem-estar social para os amazônidas, como os amazonenses que residem nos municípios mais distantes de Manaus, em especial os que não são atendidos por estradas trafegáveis.

Inicio abordando os custos logísticos de transporte aéreo na Amazônia, provavelmente os mais altos do planeta. Trata-se de uma real necessidade, a de se recorrer aos aviões, principalmente em municípios desprovidos de estradas e cuja localização fluvial representa dias, senão semanas, de uma viagem de interligação com a capital. Apenas para citar exemplos do quanto o transporte aéreo mais caro causa prejuízos sociais e econômicos, lembro do transporte de pacientes em busca de tratamentos de saúde na média e na alta complexidade e do abastecimento de gêneros alimentícios de primeira necessidade e alta perecibilidade. Mais ainda, o ônus que recai sobre o serviço público, os empreendedores e a população em geral. Esta sobrecarga de custo de vida  se associa ao fato de que os gêneros essenciais que são transportados por embarcações, como combustíveis, a estiva, ferro, cimento e outros materiais de construção, por si, já representam uma carga financeira extraordinária sobre os habitantes do interior. Vale a lógica de que “quanto mais distante, mais caro”. Assim, as tarifas superonerosas do transporte aéreo regional se somam ao sobrecusto do transporte fluvial lento e distante, que em certas épocas de vazantes de rios se torna mais difíceis e caro. Nos municípios mais longínquos cabe ressaltar que a população possui uma renda média familiar bem inferior à das capitais. Assim, viver – ou sobreviver- custa muito mais caro para os que dispõem de menos recursos financeiros. Esta situação paradoxal representa a ampliação das desigualdades sociais entre interior e capital, bem como um entrave sério ao desenvolvimento econômico de áreas longínquas, nas quais “empreender” é muito mais difícil.

Para demonstrar de modo exemplificativo o absurdo custo do nosso transporte aéreo regional utilizo a comparação de tarifas entre Manaus e Eirunepé (1.159 kms de distância) e entre Manaus e Bogotá (3.489 kms). Como aceitar a lógica de se pagar de Manaus para Eirunepé a média de R$ 1.600,00 enquanto no percurso de Manaus para Bogotá, com distância 3 vezes maior, o dispêndio será de aproximadamente R$ 1.200,00 reais? Ou seja, um voo regional com custo superior ao de um voo internacional cujo trajeto é muito mais longo. Este quadro desfavorável também ocorre em relação aos voos menos onerosos de Manaus para o Nordeste e até para Brasília e Sudeste do que os voos para municípios interioranos como Eirunepé, Carauari, Lábrea, Apuí, Manicoré, Maraã, Juruá, Envira, Itamarati, Ipixuna, Japurá…E diversos outros. 

No espaço deste texto pretendo apenas suscita uma reflexão e  buscar a empatia com nossos irmãos interioranos. E destaco a área de saúde como a mais angustiante. Pessoas de menor renda que precisam vir à Manaus em busca de um tratamento eletivo – muitas vezes urgente – não disponível nas suas cidades, precisam suplicar o “favor” de uma passagem aérea custeada pelo Município. Na maioria das vezes são situações mais ou menos humilhantes, de acordo com a postura do poder público local. E ainda há inúmeros casos de famílias pobres que se obrigam a dispor dos próprios bens, até mesmo de suas moradias, para poder custear a vinda e a manutenção em Manaus, de familiares doentes. Este cenário de grave injustiça social representa nas estatísticas piores indicadores de mortalidade infantil e de longevidade em relação à Manaus e até mesmo aos municípios do entorno da capital. Apesar de alguns avanços nas estruturas locais de atendimento hospitalar, o fato estatístico é que morrem mais e vivem menos – na média- os habitantes dos municípios longínquos.

 Pretendo dar continuidade a este assunto em outro artigo, destacando aspectos da desigualdade socioeconômica entre a capital e o interior. Nesse sentido, entendo que a ausência de uma verdadeira Política de Inclusão Social e de Promoção do Desenvolvimento Sustentável das populações da Amazônia Profunda afeta de modo muito negativo mais de 1 milhão de amazonenses do interior. 

Luiz Castro

Advogado, professor e consultor

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