Nosso país parece viver uma crise profunda de valores, que contamina não apenas a política, mas diversas instituições da própria sociedade, como igrejas e, principalmente, as famílias.
Lembro-me do Evangelho, com Jesus expulsando os vendilhões do templo e ensinando a repartir o pão, na humildade, com os mais necessitados. E recordo também de Seus inúmeros ensinamentos de humildade, misericórdia, paz, fraternidade, bem-aventuranças. E de tantos outros atos de Amor provenientes de Deus presente na humanidade, por meio de Seu Filho Amado. Nesse sentido, se nosso país tem uma população majoritariamente autodeclarada cristã, como se explica que o Evangelho não seja guia de comportamento de muitos que se denominam cristãos no nosso país? Acrescento ainda uma parcela minoritária, porém expressiva, de brasileiros adeptos de outras crenças religiosas ou credos filosóficos que apregoam o bem comum, o respeito ao próximo, a solidariedade, como valores, da mesma maneira como os cristãos fazem (ou devem fazer). Assim, a imensa maioria da nossa população defende –em tese -valores éticos de boa conduta de vida pessoal, familiar e religiosa. Mas o que, de fato, acontece no Brasil?
O Brasil possui um triste legado de aviltamento desses mesmos valores, desde o período colonial, em que ainda pertencia a Portugal. A escravização e a dizimação dos indígenas originários e dos negros trazidos da África, assim como seus descendentes, é uma prova inequívoca de práticas espúrias e contra os princípios cristãos, que perduraram séculos… De 1.500, marco da chegada dos portugueses ao nosso país, até 1888, ano da promulgação da libertação geral dos escravos, foram quase quatro séculos de escravidão… De lá para nossos dias atuais, nem chegamos a um século e meio. Observe-se a enorme diferença de tempo de influência sociocultural –econômica e política -entre o período de escravidão e aquele sem escravidão oficial no Brasil. Ou seja, nosso tecido social, hábitos e costumes foram impregnados dos vícios e injustiças em que uma minoria reconhecida branca exercia um poder absoluto sobre uma grande massa de seres humanos escravizados, ou perseguidos até a morte. Nesse sentido, observa-se a triste herança de racismo mais ou menos disfarçado e de hábitos de “elite” que se tornaram costumeiros no Brasil. E, a absoluta maioria desses “costumes” perpassou séculos de doutrinação cristã… Como tantos senhores de escravos não tiveram a consciência pesada de estarem sendo injustos e desumanos? Como se justificariam diante de Cristo aqueles que atualmente continuam a praticar a opressão e a escravização do povo brasileiros, sob outros meios e disfarces?
A democracia certamente é um regime menos ruim do que a ditadura, mas longe de ser perfeito. Alguns regimes democráticos evoluíram mais do que outros. São de países em que a liberdade dos direitos corresponde à disciplina dos deveres. Individuais e coletivos. Há um certo equilíbrio, que provém da cultura ética das sociedades que abominam a corrupção, a mentira e a injustiça. Qual a razão –ou razões –de nosso país ter evoluído tão pouco nesse sentido, apesar do autodeclarado cristianismo de quase todo nosso povo?
Observa-se a ganância por dinheiro, poder e luxo, exercendo enorme influência sobre muita gente que se declara do “bem”. Ultimamente uma “cultura” do ódio e o uso da religião para fins políticos escusos tem exacerbado instintos selvagens, que se manifestam com veemência nas redes sociais, com narrativas falaciosas que minam as práticas individuais, familiares e sociais voltadas para o diálogo fraterno, o amor ao próximo, a justiça e a misericórdia. Típico deste “discurso de ódio” é a afirmação de que bandido bom é bandido morto. Trata-se de uma abominação anticristã afirmar isso, pois na verdade, bandido bom é o arrependido, recuperado e ressocializado. Ninguém deve comemorar a morte dos outros. Justiça não é vingança. Claro que devemos valorizar e fortalecer as polícias no combate ao crime e não nos rendermos a ele, o que seria o outro extremo de aceitar o mal. Mas se a sociedade se anestesia de sua própria humanidade, os fins passam a justificar qualquer meio, o que nos desvia completamente de nossa “chama” de amor divino nos nossos corações e nos leva à prática do mal. Isso é perverso. E, mais ainda, quando líderes autointitulados cristãos agem hipocritamente, manipulando fiéis e devotos na direção do farisaísmo mais abjeto e contrário aos ensinamentos do Evangelho.
Só temos chance de sermos efetivamente um país de verdadeiros cristão, se o amor predominar sobre o ódio. E para que isto aconteça precisamos essencialmente que o Espírito Santo se expresse em nossas mentes e corações, atendendo o sincero apelo contido na oração a Deus Pai, que o próprio Cristo nos ensinou: “Seja feita a Vossa Vontade assim na terra como no Céu…E não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal”.