23 de novembro de 2024

        Manaus, favela.

Recentemente foi divulgada uma pesquisa realizada nas capitais brasileiras, que coloca Manaus na segunda pior posição nacional, logo após Belém do Pará, em termos proporcionais, de população “favelizada”. Este horrível indicador de pobreza e de miséria de nossa grande capital, deve constranger a maioria dos amazonenses e deveria envergonhar os gestores públicos estaduais e municipais que governaram Manaus nas últimas décadas. 

Não serve de consolo o fato de Belém ainda estar numa posição relativamente pior do que a nossa. Afinal de contas, no Pará não existe uma “Zona Franca”, com um parque industrial pujante como o de Manaus. Se observarmos a distribuição do PIB – Produto Interno Bruto – do Pará, observaremos que não se concentra na capital como no estado do Amazonas, em que mais de 90% da nossa economia gira em Manaus e no seu entorno.

O conceito de favelização transcende o de favelas. Sabe-se que o termo “favela” remonta às primeiras ocupações periféricas no Rio de Janeiro, por negros libertos da escravidão, mas abandonados à própria sorte, sem garantia de trabalho digno e moradias decentes. Este processo não ocorreu apenas no Rio de Janeiro, mas em todo o país, de modo mais ou menos acentuado. No caso de Manaus, a favelização da cidade teve dois momentos mais acentuados, o do período pós debacle do extrativismo do látex, quando decadência econômica do estado trouxe reflexos muito negativos sobre a sociedade interiorana e da capital… E, pasmem, essa favelização se ampliou muito mais no período pós-implantação da Zona Franca de Manaus, quando ocorreu uma expressiva pujança econômica!

Na “época da borracha”, o chamado “ouro negro” alcançou o nível de segundo maior produto de exportação do Brasil, propiciando muitas riquezas para seringalistas e donos de casas aviadoras, mas deixando os seringueiros à “margem da História” como escreveu Euclides da Cunha à respeito dos sofridos trabalhadores dos seringais. Os governantes dispunham então de recursos fartos, arrecadados dos impostos sobre as exportações de borracha e, apesar dos desperdícios, várias obras importantes foram implementadas em Manaus, como sistemas de abastecimento de água, de esgoto, praças, pontes, avenidas, portos, escolas e até o belo e famoso Teatro Amazonas. A memória da Belle Époque ainda pode ser encontrada no Centro Histórico de Manaus e certamente representa um potencial turístico que precisa ser organizado e aproveitado.

Mesmo assim, não houve visão nem capacidade de gestão para aproveitar os recursos fartos, da iniciativa privada e do poder público, para o incremento de alternativas econômicas que pudessem ocorrer após o ciclo da borracha. Foi quando entrou num longo processo de decadência e estagnação, que perdurou até a implantação da Zona Franca de Manaus.

É interessante lembra que a Zona Franca chegou no imaginário dos amazonenses como uma iniciativa“redentora” das mazelas econômicas e sociais do nosso estado, trazendo a perspectiva de novos “bons tempos” para os amazonenses. Ocorreu então um fenômeno impressionante de acomodação ao modelo industrial incentivado e o quase completo esquecimento das nossas potencialidades econômicas regionais. Nesse sentido, basta observar a negligência, a incapacidade e falta de visão e compromisso estratégicos com o futuro do Amazonas, por parte da grande maioria de nossos dirigentes públicos. Ao reverso, predominou a “cultura” do paternalismo, do clientelismo e do enriquecimento ilícito de agentes públicos… Os “favores” políticos disfarçados de benesses, o atraso destrutivo do estímulo da dependência dos mais pobres para com os políticos no poder predominaram. As políticas públicas foram contaminadas por estes e outros vícios e a “ética do trabalho” foi suplantada pela nociva lógica da esperteza em causa própria. 

    Apesar de tudo isso, o Polo Industrial de Manaus ainda resiste e  ajuda a gerar recursos para manter serviços essenciais, como a educação e a saúde, dentre outros. Mas não gera mais empregos suficientes para atender as demandas de emprego e de renda da nossa população. Um exemplo deste descompasso é o fato de que dezenas de milhares de jovens com formação universitária estarem desempregados, subempregados ou sobrevivendo de “bicos” ou outros artifícios. Outro efeito negativo é a cooptação de outros milhares de jovens para o narco tráfico e outras atividades da criminalidade. 

A favelização de Manaus atinge cerca de 43% da população manauara. Cerca de 1 milhão de seres humanos residindo em moradias precárias,  em áreas de risco e insalubres e com falta de saneamento básico e de bons equipamentos e serviços públicos nos bairros mais carentes. Estas mazelas se somam ao desemprego, emprego informal, renda familiar insuficiente…E a tragédia de muitos irmãos manauaras menos favorecidos se expressa ainda mais no ‘encarceramento’ social pelo crime organizado. Uma espécie de Estado Paralelo, que torna reféns do crime muitas famílias de nossa capital.

Lamento observar a ausência de boas perspectivas de mudanças. Posso afirmar que mesmo as ações bem intencionadas submergem diante de um sistema de perverso  domínio econômico, político e cultural, no qual a grande maioria da população é “agradada” eleitoralmente e depois abandonada à própria sorte. Gente que é usada como massa de manobra para manter os “donos do poder” e permanece no estado de abandono, miséria, desigualdade de oportunidades e de violência, num ciclo vicioso em que é a maior vítima, muitas vezes aliada aos seus algozes.

Assim, esperanças do passado distante e recente se perdem no tempo. E só nos resta acreditar que as novas gerações despertem do atual fenômeno de “letargia” e consigam – no futuro – promover mudanças verdadeiras.

Luiz Castro

Advogado, professor e consultor

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