23 de novembro de 2024

Maria da Conceição Tavares

Breno Rodrigo de Messias Leite

Falecida aos 94 anos, Maria da Conceição de Almeida Tavares foi indiscutivelmente uma das mais expressivas e importantes economistas do Brasil. Nascida na cidade de Anadia, em Portugal, imigrou para o Brasil ainda jovem, aos 24 anos de idade. Formada em Matemática, em Portugal na era salazarista, iniciou os seus estudos em Economia, no Brasil, na década de 1960, no esteio dos grandes projetos de desenvolvimento econômico atrelados ao Estado nacional-desenvolvimentista edificado por Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek.

Maria da Conceição Tavares foi aluna dos principais economistas do período: Roberto Campos e Otávio Gouveia de Bulhões, expoentes da economia monetarista. Mas foi Celso Furtado o seu grande mestre. Foram as ideias de Celso Furtado que mais impactaram a sua formação como economista.

O debate econômico, à época, estava orientado, sobretudo, por duas concepções diametralmente opostas. Por um lado, a concepção monetarista, inspirada na abordagem neoclássica, pensava o fenômeno do desenvolvimento econômico em termos de economia de mercado (laissez faire), isto é, sem a intervenção — ou intervenção diminuta — do Estado nos setores da economia. Por outro lado, o projeto liderado por Celso Furtado rompia as amarras da economia liberal ao conceber o desenvolvimento em termos nacionais. Assim, a abordagem estruturalista sugerida por Celso Furtado apostava num modelo nacional-desenvolvimentista, isto é, com a intervenção do Estado nos setores estratégicos da economia.

Conceição Tavares jamais fora uma economista tecnicista, atrelada ao mundo financeiro ou à grande indústria. Ela teorizava a economia brasileira como um todo, tal como uma economista política clássica. Isto quer dizer que economia e política obedecem a lógicas intrínsecas, absolutamente indissociáveis como categorias de análise e intervenção governamental. A complementação da economia com a política deve servir, portanto, aos interesses da sociedade e da nação em busca do seu desenvolvimento e do seu futuro autônomo.

A sua pesquisa mais importante — e, até hoje, a mais conhecida — foi publicada em 1964. No ensaio Auge e Declínio do Processo de Substituição de Importações, publicado primeiramente no Boletín Económico para América Latina e, posteriormente, republicado em sua obra Da Substituição de Importações ao Capitalismo Financeiro: ensaios sobre economia brasileira, cuja primeira edição é de 1972, Maria da Conceição Tavares elabora um estudo original acerca das condições do processo de industrialização brasileira pela via da substituição de importações, algo que até então — mesmo na principal obra de Celso Furtado, Formação Econômica do Brasil, de 1959 — não havia recebido o devido tratamento conceitual e analítico.

Na avaliação de Conceição Tavares, a política de substituição de importações é essencialmente um processo pelo qual os investimentos industriais buscam superar as adversidades externas causadas pela divisão internacional do trabalho. Inicialmente, a substituição de importações expande o mercado interno, sobretudo no setor de bens de consumo, de bens intermediários e de bens de capital. O efeito imediato da expansão industrial é, portanto, a elevação da taxa de emprego urbano e da renda da média da população.

A política de substituição de importações, todavia, não consegue eliminar todas as importações de produtos do setor industrial localizados em outros países. A própria evolução da política industrial para substituir as importações depende fundamentalmente da importação de insumos e de bens de capital (máquinas e equipamentos) de outros países desenvolvidos que dominam o ciclo tecnológico e a ciência do setor industrial mais avançado. Nas palavras da professora Maria da Conceição Tavares, o fato é que “a implantação dos novos setores produtivos (com tecnologia avançada) dá à economia um grande dinamismo em termos de crescimento de renda e acelera o processo de substituição de importações, introduz dentro do próprio setor capitalista uma desproporção séria entre uma capacidade cuja escala ótima se destina a atender ao consumo de massas, em países desenvolvidos, e a dimensão efetiva do mesmo num país subdesenvolvido.

Tal estratégia de desenvolvimento econômico — por substituição de importações — não é uma lição plena e desprovida de contradições internas do desenvolvimento nacional. Para a economista, o desenvolvimento econômico brasileiro, em certas condições de subdesenvolvimento e de desigualdade regional, causa uma demanda insuficiente graças à alta densidade de capital, à enorme capacidade produtiva e à concentração da renda nas classes mais abastardas da população. Daí o papel do Estado, o órgão capaz de forjar uma “demanda autônoma”, de patrocinar o desenvolvimento nacional. É nesta fase que o Estado assume uma função estratégica na continuação do desenvolvimento.

No começo da década de 1990, no contexto de mudanças da geopolítica global, Conceição Tavares passou a se preocupar mais com o papel do Estado diante dos desafios da economia internacional dominada pelas grandes potências, de maneira especial os Estados Unidos e seus aliados. No ensaio Globalização e Estado Nacional, publicado em 2002, na obra La Globalización Económico-Financiera: su impacto en América Latina, a economista elabora um estudo sobre as causas das mudanças econômicas e nacionais sob a égide do capitalismo do mundo pós-Guerra Fria.

De acordo com Conceição Tavares, “o anúncio do suposto ocaso dos estados nacionais vem sendo feito num momento em que, por um lado, a competição entre eles, notadamente pelo investimento externo, vem escalando em intensidade e, por outro, se multiplicam as reivindicações autonomistas e o número dos novos estados independentes. As relações entre o poder político dos estados e o desenvolvimento internacional do capitalismo foram sempre conflituosas, mas complementares.

Assim como no passado, o Estado no século XXI continua a assumir um peso estratégico no desenvolvimento nacional.

Ao lado de uma geração de economistas, Maria da Conceição Tavares é uma personagem central na história do pensamento econômico brasileiro e toda a sua obra permanece atual diante dos desafios crescentes para o entendimento do desenvolvimento econômico do Brasil e dos países da América Latina. Além de estudiosa da economia política brasileira, é possível, sim, identificar a economista como expoente de um refinado e vivo nacionalismo. Afinal, não devemos nos esquecer que Uma economia que não se preocupa com justiça social é uma economia que condena os povos a isso que está acontecendo no mundo: uma brutal concentração de renda e de riqueza, o desemprego e a miséria… Uma economia que diz que primeiro tem de estabilizar, depois crescer, depois distribuir é uma falácia. Não estabiliza, cresce aos solavancos e não distribui. E essa é a história da economia brasileira.

Eis aqui o corolário da professora Maria da Conceição Tavares.

*é cientista político 

Breno Rodrigo

É cientista político e professor de política internacional do diplô MANAUS. E-mail: [email protected]

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