Max weber, a política e o espírito da tragédia

Em: 26 de dezembro de 2024

O estudo biográfico de Max Weber escrito pelo historiador John Patrick Diggins — Max Weber: a Política e o Espírito da Tragédia (Max Weber: Politics and the Spirit of Tragedy), traduzido por Liszt Vieira e Marcus Lessa, Rio de Janeiro: Record, 1999, 375 p. — é uma fascinante conjugação de análise psicológica, balanço histórico e crítica literária sobre o mais importante sociólogo da história.
Ao longo de onze capítulos, Diggins examina a vida, as ideias e as reflexões do professor e intelectual Max Weber na transição do século XIX para o XX, isto é, de um mundo marcado pela paz duradoura de cem anos para um mundo caótico e brutal da Primeira Guerra Mundial. Não que a obra de Weber esteja condicionada aos acontecimentos dos séculos, mas os eventos inegavelmente afetaram profundamente sua personalidade e sua percepção do mundo e da jovem nação alemã.
O nacionalismo de Max Weber jamais o distanciou da América como ideal político. A admiração pelos Estados Unidos era profunda. A democracia, a liberdade religiosa, a cultura cívica, o sucesso econômico, o individualismo e a capacidade inventiva alimentaram em Weber, a partir das leituras de Alexis de Tocqueville, sobretudo A Democracia na América, um genuíno furor quanto à vitalidade da liberdade no mundo moderno. Escreve Weber: “A revolução nos Estados Unidos foi causada por um gosto maduro e previdente de liberdade, e não por algum instinto vago e indefinido de independência. Nenhuma paixão desordenada a impulsionou; pelo contrário, ela prosseguiu passo a passo com um amor pela ordem e legalidade.”
Falar de Estados Unidos é falar de protestantismo, notadamente de puritanismo. O autor de A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo mostrou-se admirado com a possibilidade de combinação de valores de liberdade na política e nas seitas protestantes lá existentes. Nas palavras do biógrafo, “Weber desenvolveria, a partir das ‘pessoas simples’ da América rural, uma teoria do capitalismo visto como um fenômeno sociológico surgindo originalmente de convicções religiosas e vindo finalmente a ceder à secularização, na medida em que o empresário continuasse a demonstrar suas qualificações cristãs pela integridade comercial.” Assim, insiste Diggins, “ao localizar a liberdade política na história da religião, Weber explicava a América aos americanos melhor que qualquer intelectual americano.”
Weber foi testemunha do nascimento de um império — II Reich — liderado por Otto von Bismarck, o Chanceler de Ferro; viu a superação da aristocracia agrária dos junkers e a emergência de uma Alemanha industrializada, urbanizada e burguesa; presenciou as mais antagônicas rivalidades entre liberais, nacionalistas, social-democratas e anarquistas pelo poder. A orientação nacionalista de Weber é coerente com sua vida intelectual, sua classe e seu espírito alemão. Afinal, explica Weber, “uma nação é favorecida pelo destino se a simples identificação dos interesses de nossa própria classe com o interesse geral também corresponder aos interesses do poder nacional.” O amor à pátria é o espírito que anima os elos geracionais dos membros da comunidade nacional, pois “se queremos conferir algum sentido ao nosso trabalho, ele só pode ser constituído por isso: preocupação com o futuro, com aqueles que virão depois de nós.”
O alvorecer do século XX foi um ponto de virada definitivo na história da civilização ocidental. Guerras, revoluções, crises econômicas, sufrágio universal, burocracia e nacionalismo foram fenômenos absolutamente transformadores da ordem europeia e mundial. O pacato professor, atormentado por uma sífilis, viu-se diante da tragédia na sua manjedoura: “Compreender a história, sustentava Weber, é apreender quão condicionada e pouco livre é a humanidade. Apenas por meio da luta, acreditava Weber, podia ela realizar a liberdade”, observa Diggins.
Max Weber foi um intelectual impecável: homem público, editor, pesquisador, professor e erudito; uma referência de amor ao conhecimento. Foi na combinação de debate público e solitária erudição que Weber formulou seus conceitos mais importantes. “Tipos ideais”, “ação social”, “formas de dominação”, “burocracia”, “ética protestante”, “capitalismo”, “ethos” e “constituição” são formulações que se projetaram claramente como categorias sociológicas fundamentais, mas que também serviram para orientar pedagogicamente o debate público de seu tempo. Assim, é possível dizer que Weber, um cético calvinista, foi um dos importantes edificadores da Alemanha moderna.
Weber encarnou o espírito do tempo. O cientista tornou-se o político, e vice-versa, motivado por éticas opostas. Weber entendeu como poucas pessoas a sutileza da “ética da convicção” — a inegociável “ética da ciência”, o imperativo categórico kantiano — e a maleabilidade da “ética da responsabilidade”, ou seja, a leitura revolucionária de Maquiavel acerca do poder e da política. Sim, as éticas são intercaladas de acordo com a necessidade. E é certo que “ao enfatizar a simultaneidade da ação em vez de sua sequência, Weber esclarece os múltiplos sentidos da ação em toda sua complexidade. Assim, o calvinista da Nova Inglaterra age em resposta à sua consciência, que, por sua vez, sente a presença de Deus, enquanto suas atividades são orientadas para as expectativas da sociedade e de seus membros. Cético em relação ao reducionismo, Weber se recusou a ver qualquer realidade específica como única realidade”, esclarece Diggins. Assim, a hermenêutica weberiana é orientada para a conexão de sentidos da ação social.
Antes de maio de 1968, Weber viu as universidades alemãs transformarem-se em campos de batalha das forças partidárias da sociedade. O antissemitismo, o radicalismo e até mesmo agressões já eram uma constante nas universidades alemãs na virada do século passado. Na noite de 21 de janeiro de 1920, Weber daria uma palestra no Maximum Hall da Universidade de Munique. Segundo depoimento de uma de suas alunas, “mal Max Weber entrara no auditório, foi saudado com um coro de assovios e vaias que tornava impossível ouvi-lo. Ele cruzou os braços e encarou a massa irada, sorrindo com desdém. Sem que percebêssemos, a manutenção desta máscara de riso por quase uma hora, nessa situação completa e inevitavelmente grotesca, deu um tom mais leve à tensão que pairava no ar. Em vista do caráter bem organizado do protesto, era impossível fazer contato com Weber que, cercado por alguns manifestantes, permanecia distante, sem perceber que nem todos os presentes eram solidários ao protesto.” Sim, Max Weber foi cancelado. A estupidez humana é antiga, teimosa e persistente.
Como contemporâneo de Sigmund Freud, o sociólogo e sua esposa Marianne foram profundamente afetados pelas descobertas do Pai da Psicanálise. Casamento, movimento feminista, sexualidade, erotismo, adultério e status, outrora tabus, leis sociais quase irrevogáveis, passaram a ser vistos como questões complexas dos novos tempos.
O “Século dos Extremos” bateu à porta de Max Weber. O início da Primeira Guerra Mundial transformou o intelectual num soldado engajado na defesa de sua pátria. Weber tinha cinquenta anos quando a guerra estourou; apresentou-se voluntariamente e, com a patente de capitão, serviu no Hospital Militar de Oficiais da Reserva de Heidelberg. A guerra foi uma experiência profunda na alma de Weber; surpreendeu-o negativamente, pois acreditava num conflito curto, “uma guerra limitada e defensiva”, sem grandes consequências para o futuro da Alemanha.
Passada a turbulência do conflito, Weber deu contribuições decisivas para a reconstrução da unidade nacional. A política como vocação tornou-se uma realidade objetiva diante de um país fragmentado. A constitucionalização do país em torno da República de Weimar e o desenho das instituições políticas — sistema semipresidencialista de governo, parlamento bicameral e judiciário com poderes de revisão — transformaram o decadente império numa república vibrante e moderna. Para além das instituições, Weber observou com certa preocupação o radicalismo nas ruas e o fracasso da Revolução Alemã de 1918.
Em suas palavras, Weber afirmava que “a política é como furar madeira dura, lenta e fortemente, com uma combinação de paixão e um sentimento de justiça. É, na verdade, inteiramente correto e um fato confirmado por toda a experiência histórica, que o que é possível nunca teria sido realizado se, nesse mundo, as pessoas não houvessem sempre tentado alcançar o impossível. Mas a pessoa que pode fazê-lo deve ser um líder; não apenas isso, deve, em um sentido muito simples da palavra, ser um herói.”
Max Weber foi um dos intelectuais mais brilhantes de sua geração, cuja contribuição ultrapassou os limites da sociologia para se enraizar profundamente na filosofia, na política e na história. Sua capacidade de compreender e articular as tensões entre convicção e responsabilidade, entre ceticismo e crença, entre a liberdade e as estruturas sociais, permanece relevante nos dias atuais. Weber não apenas viveu, mas também influenciou decisivamente um dos momentos mais críticos da história ocidental. Sua vida e obra são um testamento de como o pensamento crítico e o compromisso com a verdade podem iluminar caminhos em tempos de crise. O legado de Max Weber, como cientista e como herói intelectual, inspira-nos a continuar enfrentando os desafios contemporâneos com coragem, inteligência e humanidade.
*é cientista político

Breno Rodrigo

É cientista político e professor de política internacional do diplô MANAUS. E-mail: [email protected]
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