O Melô do Cara Coroa (2)

Em: 14 de janeiro de 2022

… ao final do artigo imediatamente anterior (1) se disse que farrista como passou a ser e elo da sociedade de consumo, o cara coroa acabou por descobrir uma casa noturna dessas que proliferam nos quatro cantos da periferia da cidade, passando a apresentar-se ali nas noites de show e danças de salão. Pronto! Ali pareceu-lhe que a felicidade ditava ritmos, cores, sons e sobretudo corpos femininos bonitos, com vestes generosamente sumárias, portando de uma extrema sensualidade. Então, descobre que andou perdendo um bom tempo na vida. Aí, do samba canção e do bolero do passado foi literalmente um pulo, face os ritmos atuais. Naquele noturno ambiente mágico que passou a frequentar, deu-se conta da mulher que de sempre.

Aproximou-se. Dizendo-se divorciado, tal soava vantajoso. Passou a viver então maravilhosos momentos. Voltaria a paquerar com o sabor da juventude, anseio vindo do íntimo de sua idade, com o propósito pronto de sonegá-la se indagado. Nisso, a despeito do que tocasse no salão, lembrava-se das trilhas sonoras que tinham como melodias “Fascination”, “Too Young”, “An Affair To Remember” “Setember Song” e outras do gênero. Não lhe fazia diferença ali ouvir e dançar ao som dessa musicalidade atual. Falava o coração, que, aliás, (o de músculos) devia merecer especial cuidado nessa fase de muita emoção e pela idade já avançada.

Com sorte, ou juízo, o cara coroa seria assim feliz “até que a morte os separe”, se não até que a vida os separe”, pois pode acontecer que o apaixonado, desavisado, descobrisse um dia certas coisas nada proveitosas sobre a amada, como acabou acontecendo, em certa parte por força da própria narração sincera desta. No curso da novel relação amorosa que acabou por acontecer, já tendo de seu lado revelado a sua situação de desimpedido agora em busca de ser feliz, indagou o que poderia revelar de sua parte a amada. Esta não se fez de rogada e trajando uma face lacrimejante, disse do muito que sofrera ainda que não casada, e de vida livre.

Deu-se que aos 14 anos fora violentada por parente na humilde casa da mãe, fincada em distante área suburbana. Daí em diante passou a ter incontáveis relacionamentos, ora com vizinhos, ora com colegas. Deflorada, naquela circunstância, definiu-se “como passara a ser um rapaz”, tamanha era a sua vida vulgarizada. Mas que nunca engravidara. Tanto bastou para que o nosso personagem se visse atraído por aquele quase convite da bela e sensual figura. Decidiu mais, que lhe daria oportunidade de ter um relacionamento sadio, ainda que não gerando um filho, que não desejava, já que fora pai em casamento anterior e era o que já decidira daí em diante na vida. Uma vantagem a mais dado que esta acabara de revelar uma permanente esterilidade natural, ao que deixara entender.

Precisava apenas de compreensão e apoio. Tão bonita, estava ele ali mesmo para tanto…Começou o romance. Trabalhando como balconista numa loja de roupas masculinas, a criatura mostrava qualificações profissionais que bem se amoldavam com o seu nível pessoal atraindo a atenção da maioria dos clientes, acabando por tornarem-se parceiros eventuais. Já, seu novo amor, um bem sucedido executivo de administração de empresas.

Sucede, deu-se uma sonora surpresa, eis que a partner um belo dia se disse estar grávida. Por essa não esperava o nosso personagem. Que é da esterilidade? Logo deduziu que se tratava de um senhor golpe muito bem aplicado, a propósito sem mais tempo para um eventual aborto se fosse o caso. Decidiu assumir a paternidade em que pese a atitude que lhe pareceu intencional e que bem se amoldava às passagens que ouvira da própria autora quando dizia que levara uma vida “como se fosse um rapaz” e tudo o mais que pudesse significar. Acreditava, no entanto que submetida a sessões de psicoterapia, mais a oportunidade de quase casada a ser oferecida seria capaz de conduzi-la a uma nova postura, a uma vida sem reparos. E assim foi providenciado. Montada uma bela residência, como lar do casal, prestes a abrigar mais a criança já a caminho. (Continua).  

Bosco Jackmonth

* É advogado de empresas (OAB/AM 436). Contato: [email protected]
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