18 de outubro de 2024

Minhas varizes de estimação

Principio o artigo partindo da ideia de que os leitores sabem o que são varizes, mesmo que não tenham ou não sabem que possuem. Enfim! A minha convivência “harmoniosa” com as minhas varizes se iniciou há uns 40 anos, no início dos anos 80. Naquele tempo, eu era atleta, novo, solteiro, sem dinheiro, mas curtindo a vida nos intervalos das aulas e instruções da vida acadêmica. Ou seja, eu era um imortal! Jovem e com a vida pela frente! Mas, um belo dia, senti um determinado “desconforto” nos “países baixos” e bem no local da ”terra santa”, se é que me entendem…

Tudo começou depois que fiz o “número 2”, em um boteco, estilo pé-sujo, na região do cais do porto de uma grande capital brasileira. Lembrando que o número 1, é urinar e o número 2, é defecar. Evidentemente que o papel higiênico daquele arremedo de muquifo era mais rústico que lixa de ferro. Mas, pelo menos existia. Usei e pronto! Foi a arrancada para uma verdadeira estrada de sofrimentos ao longo de muitos meses. Começou a arder e, no dia seguinte, começou a doer. No terceiro dia, fui à farmácia, pois naquele tempo as pessoas das farmácias eram confiáveis como médicos. E era de graça! Bem, chamei o Chico, meu conhecido daquela farmácia. O levei até a extremidade do balcão e cheio de vergonha, contei todo o ocorrido exatamente como aconteceu. Claro que falei ao pé do ouvido do Chico. Ele ouviu atentamente e, como um monge tibetano, me deu o diagnóstico: – meu amigo, você tem hemorroidas! Use esta pomada para aliviar e procure um médico. Meu mundo caiu! Primeiro, porque eu tinha um vaga ideia do que seriam hemorroidas.

Depois, a minha ignorância me dizia que aquilo era comum em senhoras grávidas ou nas pessoas que adotavam formas de prazer sexual diferentes das minhas. Mas, minha falta de coragem não me permitia aprender com as senhoras. Então, certa noite, fui à casa de um casal amigo, homossexuais. Me receberam muito bem, mas estranharam minha visita inopinada. Depois da terceira dose de 12 anos, contei tudo e pedi explicações e aulas a respeito das minhas hemorroidas.  A reação do casal amigo foi destruidora: bolaram de rir! E, eu sem entender absolutamente nada. Depois que se recompuseram, um deles me olhou, no fundo dos olhos e com um sorriso maroto, perguntou: diga  a verdade, seu bobo. Assumiu foi? Bem, fiquei sem chão, de novo. Mas, eram, e até hoje são, grandes amigos. Eu tive que contar toda a história, de novo. Aí, eles me ensinaram que eram apenas varizes, em um local incômodo, mas não era o fim do mundo. Daí, tiveram a infeliz ideia de me levar ao médico proctologista de confiança deles.

Todos sabem qual é a expertise do proctologista? Aprendi com eles, pois naquele tempo não havia computador, nem smartphone e muito menos Internet e WhatsApp. Fomos na tarde seguinte ao Dr X, o procto deles. Era um nipônico, baixinho, mas halterofilista e com os dedos mais grossos que tenazes de ferreiros. Eles contaram a minha história e enquanto falavam, o Dr X me olhava como um fazendeiro olha para o frango do almoço, ainda no galinheiro. Enfim! Vamos examiná-lo! Deite-se aqui, de bruços e nu! Aquelas palavras não me caíram bem, e fingi que não eram comigo. Os três berraram: deixa de frescura! Deita logo! Reagi o quanto pude, mas, eles venceram na força bruta. Eu fui sedado mecanicamente na cama do Dr X.

Na verdade, fui amarrado mesmo. O Dr X, viu, viu de novo e tocou, bem lá, no meu nó vital (é ali sim, na minha opinião não é na nuca). Não senti dor, senti um facada com terçado. Mas, a vida seguiu e 15 dias depois chegou o dia da cirurgia! Claro que eu não contei para ninguém do meu círculo. No entanto, umas das meninas que trabalhava no hospital era namorada (hoje esposa) de um amigo do meio acadêmico. Ela viu meus dados completos na ficha e confidenciou ao namorado, pedindo segredo ético. Bem, estávamos, todos, na faixa de 20 anos de idade. Meia hora depois, todo o planeta sabia da minha cirurgia.

Resumindo: a cirurgia é com anestesia geral. Mas, a vontade de se suicidar vem depois. Umas 5 horas depois da cirurgia, deitado na cama do hospital, com dieta líquida, soltei uma bufa. Berrei de dor e me deram um sossega-leão. Na madrugada seguinte, deu vontade de fazer o número 2. Então eu fiz ! E a minha alma saiu do meu corpo! Uma dor insana! Mas, o pior foi na véspera da alta: me entra, de novo, o Dr X no quarto e me diz: vamos dar alta, depois do toque. Depois do toque! Sabem o que é esse toque? Bem, quando a polícia liberou todo mundo do hospital, pois foi chamada para impedir um assassinato, devido aos meus berros alucinantes, terminou tudo em paz. Ontem, eu o Dr X, já velhinho e aposentado e meus amigos conversamos sobre isso tudo. E gargalhamos muito. Mas, na época, não foi nada divertido. Vamos abrir uma cerveja !

Carlos Alberto da Silva

Coronel do Exército, na Reserva, professor universitário, graduado em Administração e mestre em Ciências Militares

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