Eu tenho um amigo que fala, fala, fala. Fala de política, de religião, de cultura, de arte, de esporte e lazer. Fala de moda, de dança, de música, de pintura, de viagens… Fala tanto e não diz nada. Acaba se perdendo na própria verborragia.
Eu tenho um vizinho que fala, fala, fala. Fala dos outros vizinhos, dos vendedores ambulantes, dos carros estacionados na rua, dos cachorros, do coletor de lixo… Fala tanto e não diz nada. Acaba dando com a língua nos dentes.
Eu tenho uma tia que fala, fala, fala. Fala dos sobrinhos, dos cunhados, das cunhadas, dos tios, das primas, dos sobrinhos, das netas, dos amigos, da sogra, do ex-marido… Fala tanto e não diz nada. É vista como a contraditória da família.
Eu tenho um amigo padre que fala, fala, fala. Fala da Bíblia, da igreja, do céu, do pecado, do inferno, do purgatório, dos fiéis, dos outros padres, dos santos… Fala tanto e não diz nada. Acaba se perdendo na própria pregação.
Eu tenho uma amiga jornalista que fala, fala, fala. Fala da imprensa, dos outros jornalistas, das redes sociais, dos repórteres, do Instagram, do Facebook, do Tik Tok, da Globo… Fala tanto e não diz nada. Acaba se perdendo no próprio raciocínio.
Eu tenho um amigo professor que fala, fala, fala. Fala da escola, dos alunos, dos pais, da pedagoga, da gestora, do livro didático, da merenda, do governo, do salário… Fala tanto e não diz nada. Acaba se perdendo no próprio falatório.
Eu conheço um delegado que fala, fala, fala. Fala dos seus colegas de farda, da bandidagem, das prisões, das drogas, dos viciados, das armas que possui, das operações… Fala tanto e não diz nada. Acaba se perdendo nas próprias conjecturas.
Eu tenho uma amiga enfermeira que fala, fala, fala. Fala do hospital, da falta de medicamentos, dos outros enfermeiros, dos técnicos, das cirurgias, do salário, do governo… Fala tanto e não diz nada. Acaba se perdendo no próprio raciocínio.
Eu tenho um amigo político que fala, fala, fala. Fala do partido, dos eleitores, das rachadinhas, das propinas, das licitações viciadas que participa, das fake news que inventa… Fala tanto e não diz nada. Acaba se perdendo nos próprios conchavos políticos que faz.
Eu tenho um amigo escritor que fala, fala, fala. Fala dos livros, das editoras, dos leitores, dos personagens, das feiras literárias, dos outros escritores, da falta de leitura do povo brasileiro… Fala tanto e não diz nada. Acaba se perdendo nas próprias histórias que inventa.
Eu tenho um amigo pintor que fala, fala, fala. Fala do preço e da qualidade das tintas, das obras que pinta, dos lugares que expõe, da paisagem… Fala tanto e não diz nada. Acaba falando somente da sua própria arte, é um egoísta nato!
Eu tenho um amigo músico que fala, fala, fala. Fala da qualidade do som, dos instrumentos, dos cantores, das músicas que compõem, do seu estilo musical preferido, dos palcos onde já se apresentou… Fala tanto e não diz nada. Acaba se perdendo nas próprias músicas que compõe.
Eu tenho um amigo pastor que fala, fala, fala. Fala não, grita! Grita com os fiéis, com quem não paga o dizimo, com a esposa, no trânsito… Grita tanto e não houve nada. No final do dia acaba fumando um baseado para aliviar as dores musculares.
Eu tenho um amigo açougueiro que fala, fala, fala. Fala dos tipos de carne, dos preços da carne, dos tipos de cortes, da ração, do capim que o gado come, do agro… Fala tanto e não diz nada. Acaba se perdendo na própria falação.
Eu tenho um amigo barman que fala, fala, fala. Fala dos coquetéis, das caipifrutas que prepara, das performances que faz, das festas chiques que participa… Fala tanto e não diz nada. Acaba se perdendo nos drinks que prepara para os convidados.
Por fim, e não menos importante, eu tenho uma amiga prostituta que não fala. Ela nunca fala de si, dos seus clientes, do preço do seu programa, das outras prostitutas, dos seus sonhos. Ela é mais ação e menos reflexão. Ela não inventa histórias, ela vive a própria história, nua e crua; amarga como fel.
Quando completei meio século de vida, convidei todos estes meus amigos para uma festa de aniversário em minha casa. O convite fora atendido prontamente e todos compareceram com suas línguas afiadas. O resultado fora este: murmúrios inaudíveis!
Advinha qual foi a única pessoa que permaneceu serena, centrada, calma como uma dama, durante toda a minha festa de aniversário? Acertou quem disse a prostituta! Sim, ela mesma!
E olha que a música era boa, o uísque não era falso e a comida variada. Apesar de tudo isso, a minha amiga prostituta permanecia ali, sóbria e equilibrada, parecendo uma santa!