Nossas crianças pedem socorro!

Em: 20 de maio de 2022

A exploração infantil ainda é uma triste realidade no Brasil. Em Manaus, por exemplo, ver menores em situações degradantes de abandono e de exposição a diversos perigos, como em semáforos de trânsito, portas de lojas e drogarias, é uma situação cada vez mais comum. O Artigo 227 da nossa Constituição Federal de 1988 expressa que “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) veio regulamentar isso, tendo como foco a contemplação dos menores de idade como cidadãos plenos de direitos.

Direitos como o de estudar, de brincar, de acesso à saúde e à educação de qualidade fazem parte deste rol de normas; o que lamentavelmente ainda é uma realidade distante de grande parte das famílias da nossa Nação, pois o que temos visto cada vez mais são menores crescendo em ambientes inadequados, sem saneamento básico, com um ensino deficitário e alto índice de evasão escolar. Este é um  problema estrutural e requer um trabalho sério, com medidas a curto, médio e longo prazos, envolvendo o Poder Público (Executivo, Parlamento e Poder Judiciário) e outras instituições como o Ministério Público, o Conselho Tutelar, a Sociedade Civil Organizada, as Igrejas, as Instituições Filantrópicas etc. Ou seja, uma força-tarefa multilateral, com o estabelecimento de políticas públicas sérias, que devem ser acompanhadas, cobradas e com os resultados sendo constantemente apresentados a toda à sociedade, com a devida transparência e acesso à informação de todo e qualquer cidadão, uma vez que a Legislação deixa claro que é dever do Estado e de cada cidadão proporcionar o bem-estar aos nossos pequenos brasileiros. 

Todos devem cumprir o papel que lhes cabe neste processo. Muitas vezes nos questionamos onde estão as autoridades responsáveis para tomarem uma atitude ao passarem pelas ruas e contemplarem a situação desumana em diversos pontos da Cidade. Sei que este não é um problema exclusivo do Amazonas, mas escolhi ressaltar o cenário da nossa região para ilustrar uma mazela que é nacional e assola de maneira tão assustadora o nosso Brasil.

Nosso arcabouço jurídico é bem sólido nesta questão, todavia, não adianta só haver a contemplação da Lei se não houver a sua devida aplicação. E esta problemática foi majorada pelo contexto pandêmico mundial da Covid-19. Um relatório conjunto da OIT (Organização Internacional do Trabalho) e da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe) no primeiro semestre de 2020 já alertava para a tendência de que a crise econômica gerada pelo surto do novo Coronavírus poderia ocasionar um aumento no trabalho infantil na América Latina. Somado a este contexto aterrador e suas múltiplas e abrangentes consequências está também a chegada em massa de imigrantes venezuelanos, que têm fugido da ditadura sanguinária do regime de Nicolás Maduro na Venezuela, em busca de uma vida melhor aqui. Mas como o Brasil ainda não é capaz de contemplar nem mesmo a totalidade do seu povo com melhores oportunidades de vida, o acúmulo de mais pessoas em situações similares torna ainda maior a proporção desta crise. É imperativa e urgente a adoção de medidas que possam debelar esta situação e garantir uma vida digna para nossas crianças e adolescentes.

Dentro deste âmbito existem também discussões profundas que precisam ser encaradas pelos agentes públicos, como o investimento maciço na educação de base e a fiscalização para que os recursos públicos atinjam suas finalidades no atendimento aos cidadãos. Ao mesmo tempo é imprescindível a existência de ações ostensivas por parte do Estado com vistas a combater, com os rigores da Lei, àqueles que, sendo parentes ou não, usam menores para conseguir dinheiro e sustento por meio da exploração destes em atividades nocivas, com o intuito, muitas vezes, de usar a figura infantil para tentar “sensibilizar” outros a dar dinheiro a eles através dos pequenos. Está mais do que na hora também de se falar em um planejamento de natalidade, por meio da conscientização e de ações profícuas que apoiem, orientem e propiciem a homens e mulheres procedimentos como vasectomia e laqueadura, especialmente para aqueles que já têm filhos. Estes assuntos não podem mais ser tabus. Não podemos e nem devemos nos calar para satisfazer grupos que distorcem a realidade dos fatos por trás de um hipócrita discurso do “politicamente correto”, que visa cercear a discussão republicana de ideias coerentes e necessárias na atualidade.

A adoção de medidas efetivas e políticas públicas sérias, que façam a diferença na vida das pessoas, tendem a possibilitar que milhares de famílias possam ter melhores condições de vida e oportunidades de crescimento e desenvolvimento, independente do governo que esteja vigente. Já chega de muitos usarem a dor alheia em benefício eleitoreiro, de formas tão politiqueiras e sórdidas, como temos visto acontecer há muito tempo, infelizmente, ao longo de décadas de história na nossa República. É preciso coragem e responsabilidade de todos nós em torno de uma discussão séria desta temática, com resultados palpáveis e favoráveis à sociedade em geral.

Contudo, não se pode esquecer em nenhum momento que a prioridade máxima é preservar e garantir a dignidade humana a todos, especialmente àqueles que ainda estão em formação e precisam ser assistidos de maneira especial e satisfatória, para que assim possam se desenvolver integralmente, em todas as áreas, tendo a oportunidade de viver cada fase da vida com a plenitude devida.

Lisandro Mamud

Lisandro Mamud é administrador, pesquisador em Inovação, Tecnologia e Educação do Núcleo Educotec (Ufam)
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