Ontem foi o Dia Internacional dos Indígenas, data irrelevante para alguns, mas não para a ONU e pessoas que atuam em defesa da vida e da sustentabilidade. E como reflexão, o artigo dá voz aos Povos Indígenas, cujo clamor há séculos tem sido constantemente ignorado pelas principais autoridades do país.
Pela resolução 49/214 de 23/12/94, a Assembléia Geral da ONU decidiu que o Dia Internacional dos Indígenas deveria ser observado a cada 9/8, a fim de a) garantir as condições mínimas de existência digna aos povos indígenas em todo planeta; b) reduzir os ataques sofridos contra esses povos em seus territórios, ressaltando que no Brasil, já são mais de 520 anos de ataques, invasão e destruição de suas terras, imposição de religião, de trabalho escravo, forçado ou pago com valores miseráveis, com perdas de vidas, línguas, tradições e de conhecimentos milenares.
Alguns fatos sobre os povos indígenas podem ser lidos no livro História da Riqueza do Brasil <https://bit.ly/3Q8C9fn>, escrito pelo Dr. Jorge Caldeira, obra resultante de 40 anos de pesquisa:
1) Estima-se que o território das chamadas Terras Baixas, a porção leste dos Andes no continente Sul-Americano, teria, em 1500, uma população entre 1 milhão e 8,5 milhões de pessoas, com mais de 170 línguas faladas por esses povos, distribuídas em quatro grandes troncos: tupi-guarani, jê, caribe e aruaque. E de acordo com alguns estudos, os primeiros grupos que se instalaram nessa região datam de mais de 30 mil anos;
2) Eles são detentores de conhecimentos milenares, guardiões da sabedoria tradicional que envolve desde medicina até sistemas produtivos de alimentos. Por exemplo, quando Cabral chegou, os médicos europeus manipulavam algo em torno de uma centena e meia de espécies vegetais, enquanto que populações indígenas aqui instaladas trabalhavam com cerca de 3 mil espécies. Além disso, três quartos de todas as drogas medicinais de origem vegetal utilizadas atualmente vieram de conhecimento nativo;
3) Os Tupi-Guarani detinham um nível padronizado de conhecimentos, domínio tecnológico e costumes, com alguns grupos alcançando um patamar mais avançado de tecnologia em relação aos demais, pois além de dominarem as espécies naturais, domesticaram cultivares importantes como a mandioca, o tabaco, o milho, o algodão, então desconhecidas pelos colonizadores. Eles tinham sistemas agrícolas de boa produtividade, em apenas três ou quatro horas de trabalho diários, os índios produziam não apenas o necessário para sobreviver, mas o suficiente para gerenciar estoques para a segurança alimentar, em uma época em que a fome era um problema grave em várias regiões da Europa;
4) Apesar de produzir excedentes, os Tupi-Guarani tinham uma solução única para conciliar a abundância material e a igualdade social, utilizando argumento que deveria ser levado a sério por empresários, formuladores de políticas públicas, militares e academia: “todo trabalho estava ligado a preservação, não fazendo sentido trabalhar mais quando isso não representasse mais preservação”. Como resultado, todo o esforço laboral se voltava para a eficiência máxima da distribuição, igualdade social, em vez de acumular excedentes em uma sociedade dividida;
5) Os Tupi-Guarani eram especialistas em manter equilíbrio entre produção econômica, alianças diplomáticas, chefia temporária na guerra e destinação ritual dos excedentes, o que permitiu que dominassem uma grande região de nosso país e após a chegada de Cabral, formassem alianças com invasores (Portugueses, Espanhóis, Franceses, etc), sendo seduzidos a trocar centenas de produtos naturais, em especial, as valiosíssimas toras de Pau Brasil (um único navio podia transportar até 5000 toras), por utensílios de ferros, gerando lucros incalculáveis para os Europeus, em detrimento da destruição ambiental e do contínuo declínio existencial, cultural, linguístico, místico e social dos indígenas.
Segundo a Funai <https://bit.ly/3oYBNMq> o tamanho da população indígena no Brasil caiu de 3 milhões em 1500 para 1,2 milhão em 1570, chegando ao menor valor (70 mil), em 1957, aumentando gradativamente de lá pra cá, com o último censo do IBGE apontando 817.962 indígenas em 2010. Assim, em 510 anos, após a chegada do Cabral, esta população foi dizimada em 72,73%, ora mortos em conflitos, ora como escravos, ou por doenças trazidas pelos colonizadores, com relatos de epidemias lançadas propositalmente contra os Timbiras (1816; varíola), os Tupinambá e Pataxós (1967; varíola), os Cinta-Larga (a partir de 1950; varíola, sarampo, gripe) e os Botocudos <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-53452614>.
Um dos documentos mais interessantes sobre violações de direitos humanos dos povos indígenas no Brasil, durante a ditadura, tem 262 páginas <https://bit.ly/3A4xUMs> e foi elaborado pela Dra. Maria Rita Kehl, em colaboração com a Comissão da Verdade Indígena. Este documento revela pelo menos 8350 indígenas mortos durante a ditadura, em decorrência da ação direta de agentes governamentais ou da sua omissão, com apresentação de diversos casos concretos não escritos nos livros de História do Brasil.
O endurecimento da política indigenista tem início em 1968 (criação do AI5) com a velha tara dos militares pelos recursos naturais existentes nas terras indígenas, resultando até em construção de presídios para os índios, com muitos povos removidos à força ou mortos, sob a falsa narrativa de que “os indígenas eram um risco à segurança e à nacionalidade”.
Em nossa região, um dos casos bem documentados é o genocídio dos Waimiri Atroari <https://bit.ly/2DBYphC>, entre 1960 e 1980, durante a construção de projetos na Amazônia (abertura da BR-174, Projeto Pitinga da Mineração Taboca, construção da Hidrelétrica de Balbina) com a atuação de militares e apoio das mineradoras e dos garimpeiros interessados em explorar jazidas no território desses indígenas. Nestes links <https://bit.ly/3vLjIVM; https://bit.ly/3QpCwlE; https://bit.ly/3Q65bwf; https://bit.ly/3A4DONC>, há acesso aos relatos dos familiares das vítimas que foram sistematicamente ignorados pela União e até Funai, registrados pelo MPF e denunciados ao longo do tempo.
Os anos se passaram e ainda são os indígenas os que estão resistindo contra a destruição irracional da floresta Amazônia <https://bit.ly/3P5Zugu>. Apesar disso, a devastação criminosa de suas terras cresceu cerca de 41 vezes entre 2016 e 2021 <http://glo.bo/3QpyWrt>, com situação se complicado desde a chegada do Bolsonaro ao poder <https://bit.ly/3bCQ9Pq e https://bit.ly/3bIyDcB>, cuja base de apoio é composta por saudosos da ditadura, com parcela de gente truculenta e/ou com excessiva ambição financeira.Infelizmente, o Brasil é o quarto país mais perigoso para defensores da terra e do meio ambiente <https://bit.ly/39phDXG> e para entender como nossos indígenas estão abandonados, em perigo, vale a pena ler o livro “Povos Indígenas: prevenção de genocídio e de outras atrocidades” lançado em 2021 pelo MPF <https://bit.ly/3A0N2dE>, uma leitura que deveria instigar debates e ações para prevenir a repetição de erros que envergonham nosso passado como pátria, nação.
Prof. do Dep. de Eng. de Produção da UFAM e Pós Doutor em Inovação pela Universidade de Manchester. Site www.jgsilva.org