Breno Rodrigo de Messias Leite
Decidir nunca foi uma tarefa fácil. Tanto na vida dos indivíduos quanto na vida das nações, a decisão envolve um conjunto infinito de imperativos axiológicos e cálculos estratégicos, cujas consequências podem ser sentidas imediatamente ou muito tempo depois.
Se “viver é tomar partido”, os estadistas não escapam à regra. No tabuleiro das relações internacionais e da geopolítica, a participação dos Estados nacionais é mediada pelos estadistas e diplomatas, representantes legítimos de seus países e responsáveis pelas decisões em política externa. São eles, os interlocutores legítimos da relação do Estado nacional com o mundo.
Algo importante precisa ser dito. As decisões em política externa não são peremptórias e irreversíveis ao longo do tempo. Pelo contrário, as decisões são tomadas à luz dos acontecimentos e os seus efeitos concretos são monitorados pelos estrategistas, cuja função é verificar o seu benefício fático ou o seu resultado adverso do ponto de vista dos interesses nacionais.
As guerras, as transações comerciais, os tratados, entre outros, são casos exemplares de acomodação das forças decisórias em política exterior.
O conflito armado na Ucrânia, iniciado em fevereiro de 2022, escancarou as contradições do processo decisório em política externa. Mais uma vez, o Brasil se viu numa situação de dualidade estratégica das forças antagonistas. Tal como no começo da década de 40 do século passado, no contexto de aumento das tensões e da beligerância entre os Aliados e o Eixo, o Brasil abriu negociação com ambos os lados do conflito e, ao fim e ao cabo, tomou partido e aliou-se aos Estados Unidos e aos Aliados.
A assim chamada “equidistância pragmática”, à época, não pareceu uma decisão correta aos olhos do mundo, mas funcionou bem no transcurso do conflito e na estratégia de ganhos relativos de uma nação que precisava urgentemente industrializar-se.
É certo que o Brasil precisa emular tal estratégia para o tempo presente. O jogo da equidistância nos mostrou que o Brasil é um ator central na atmosfera dos conflitos internacionais. Um território continental, fartamente povoado, uma economia diversificada, recursos naturais abundantes, acesso ao mar e fronteiras pacificadas são imperativos em qualquer nível de negociação – quer nos tempos de paz, quer nos tempos de guerra.
A lógica da interdependência é remodelada com o tempo da ordem imanente. Num passado não muito distante, europeus avançaram e recuaram nas negociações do acordo MERCOSUL-UE. Criaram e frustraram as expectativas brasileiras e sul-americanas, como um todo, com o intuito de punir o governo brasileiro de plantão. A estratégia de encurralar e isolar o governo anterior funcionou bem e comprometeu seriamente as capacidades políticas e comerciais do Brasil no mundo. Mutatis mutandis, numa reconfiguração da moldura de poder tanto interna – a eleição de um novo governo – quanto externa – o início de uma guerra no coração do velho mundo – o Brasil reassumiu o seu protagonismo internacional.
A retomada do Brasil, obviamente, não pode ser vista como um ato de benevolência das grandes potências. Longe disso. As reuniões do presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva com Olaf Scholz, chanceler alemão, e Joe Biden, presidente dos EUA, traduziram o desejo das potências de trazer o Brasil para o lado da OTAN, ao passo que os encontros com o Sergey Lavrov, chanceler russo, foram no sentido de posicionar o Brasil no sentido oposto no tabuleiro da guerra.
É natural que nações tentem cooptar o Brasil. Mas os determinantes da política externa brasileira não podem se deixar seduzir pelos cantos das sereias. Assim como Ulisses buscou salva a sua vida e o seu espírito, o Brasil precisa seguir única e exclusivamente o interesse nacional, ou seja, a busca da autonomia estratégica e do desenvolvimento das forças produtivas. As decisões de política exterior devem incluir, portanto, esta variável como a mais importante das variáveis no custoso cálculo do conflito global.
São sapienciais as palavras de Raymond Aron, em “Paz e Guerra entre as Nações”, quando afirma: “a diplomacia dita realista que o sistema de equilíbrio pluripolar implica não se ajusta às exigências mais elevadas dos filósofos. O Estado que muda de campo após a vitória provoca amargura e ressentimento em seus aliados, que às vezes fizeram mais sacrifícios que ele para a vitória em comum. Uma diplomacia de equilíbrio pura ignora (e deve ignorar) os sentimentos; não tem amigos ou inimigos, não considera estes piores do que aqueles, não condena a guerra em si. Admite o egoísmo e, digamos assim, a corrupção moral (aspiração à potência e à glória) dos Estados; mas, no fim das contas, essa corrupção calculista parece menos imprevisível e perigosa do que as paixões – talvez idealistas, porém cegas”.
*é cientista político e professor de política internacional do Diplô Manaus.