Breno Rodrigo de Messias Leite*
Poucos fenômenos são tão fáceis de entender e, ao mesmo tempo, tão difíceis de explicar como o poder. Ao longo de milênios, o ser humano medita profundamente sobre o poder, a sua natureza e a sua extensão. Em O Futuro do Poder, obra publicada em 2011, o cientista político norte-americano Joseph Nye Jr. examina a sua história e o seu uso na política global.
Na primeira parte da obra, Tipos de poder, Nye Jr. analisa o papel do poder nos assuntos globais no qual o poder pode ser entendido a partir de duas variáveis de análise. Por um lado, o poder militar como sinônimo de poder duro, coercitivo e agressivo. As guerras e os conflitos armados, por exemplo, são a expressão máxima do poder militar. Todas as comunidades humanas, sem exceção, possuem capacidade de agir militarmente. A política internacional do nosso tempo foi marcada e moldada pelo tema das armas nucleares, um diferencial na assimetria de poder entre as nações. Outro ponto central diz respeito ao poder do nacionalismo na mobilização dos povos, dos símbolos pátrios e da história. E as restrições internas das forças militares pelos países, sobretudo nas democracias contemporâneas. É nesse contexto que a possibilidade de emprego da força militar passa pelo escrutínio da opinião pública.
Por outro lado, o poder econômico também tem contribuído para a formação e hierarquia da ordem internacional. É no cenário atual que o poder econômico assume a forma de interdependência complexa. Nas palavras de Nye Jr., “a interdependência envolve a sensibilidades de curto prazo e a vulnerabilidade de longo prazo.” A paisagem da economia global é dominada por duas potências econômicas: os EUA, a potência consolidada, e a China, a potência econômica emergente. Paralelamente à atividade militar, o poder econômico precisa contar com recursos naturais, como o petróleo e o gás, bem como os mecanismos de sanção, entre outros fatores.
Já no segundo seguimento do livro, Deslocamento do poder: difusão e transições, faz-se um questionamento fundamental: “a transição de poder de um Estado dominante para outro é um evento histórico familiar, mas a difusão de poder é um processo mais novo.” Em outros termos, o desafio presente é a emergência da “era de informação global”. Tal Revolução da Informação possibilitou a ascensão de muitas formas de poder – do privado ao Estado plurinacional – sem, contudo, modificar a natureza do sistema internacional na sua totalidade. Diz Nye: “os Estados continuarão sendo os atores dominantes no palco político mundial, mas encontrarão o palco bem mais povoado e difícil de controlar.”
É nesta atmosfera de mudanças históricas que a lógica transnacional torna-se um imperativo. A combinação de poder privado multinacional e de poder público fortalece as bases de um sistema transnacional, multipolar e assimétrico na distribuição de poder. Vale dizer que “a questão real relacionada à difusão do poder não é a existência continuada do Estado, mas como ele funcionará no futuro. Movimentos contraditórios podem ocorrer simultaneamente. Empresas de propriedade do Estado coexistem e competem com corporações multinacionais que abrangem centenas de fronteiras.” A lógica da transnacionalidade já não é mais uma questão hipotética. Trata-se, isto sim, de uma questão premente.
Por fim, no terceiro seguimento do livro, Política, Nye formula e desenvolve o conceito de poder inteligente (smart power). É bom que se diga que hoje, aliás, os conceitos de poder duro (hard power) e poder brando (soft power) tornaram-se lugar comum nos estudos das relações internacionais. Com o poder inteligente não poderia ser diferente. De modo simplificado, o poder inteligente é a simbiose das duas formas anteriores de poder, o poder brando e o poder duro. Andrew Shapiro, assistente da secretária de Estado dos Estados Unidos, Hillary Clinton, assim definiu o emprego do poder inteligente na estratégica internacional dos EUA: “o conceito de poder inteligente – inteligente integração e ligação em rede de diplomacia, defesa, desenvolvimento e outras ferramentas dos chamados poderes ‘duro e branco’ […].”
A aplicação do poder inteligente na estratégia internacional dos EUA segue essencialmente cinco passos. Em primeiro, é necessário se ter uma “clareza com relação aos objetivos” uma vez definidos; sem objetivos, a estratégica perde-se e torna-se pueril. Em segundo, os estrategistas devem ater-se aos “inventários dos recursos disponíveis” sem o qual todo planejamento diplomático e militar cai por terra. Em terceiro, definir a “avaliação dos recursos e preferências dos alvos das tentativas de influência”, tanto na parceria como na escolha dos inimigos. Em quarto, os definidores do poder inteligente precisam “escolher entre os comportamentos de poder, escolher o poder de comando ou o poder cooperativo em diferentes situações, e ajustar as táticas de modo que elas reforcem uma à outra, em vez de enfraquecê-las”. Finalmente, em quinto, é necessário fazer uma “avaliação cuidadosa da probabilidade de sucesso em alcançar seus objetivos, tanto no nível da grande estratégia quanto nas táticas de qualquer tentativa específica de influência” na aplicação da estratégia de poder inteligente.
A obra de Joseph Nye Jr. é uma contribuição decisiva para os estudos dos assuntos internacionais. Avança na pesquisa bibliográfica, ao trabalhar as principais taxionomias do poder na tradição da Ciência Política, e na pesquisa sobre a posição dos Estados Unidos na distribuição do poder global. O livro envelheceu bem e ainda apresenta caminhos para entendermos o cenário internacional em que vivemos. O Futuro do Poder é leitura obrigatória.
*é cientista político