O idioma da imagem

Em: 14 de janeiro de 2025

Madrid, sábado passado foi testemunha de um casamento real após noventa e oito anos de interregno entre este e o de Alfonso XIII. Quase um século! E nele desencadeou-se a guerra civil (1936), o exílio do rei em Paris e Portugal, a ditadura militar de Franco durante trinta e cinco anos e após sua morte (1975), o retorno da monarquia de Juan Carlos como apoio legítimo ao regime democrático que implantou o parlamentarismo hispânico. O país sempre teve suas lágrimas, seu suor e seu sangue derramados, mas também cultiva seus esplendores. Eu, enferma crônica da palavra escrita, “essa hidra íntima”, segundo Rimbaud, extraí de toda aquela apoteose de luxo, luzes, brilhos e cores para compor este artigo, o que ali vi de mais simples e duradouro: As fotos dos casamentos. A do primeiro, Alfonso XIII e a do futuro rei Felipe VI. Uma centúria de distância entre uma e outra. Mas a linguagem visual é a mesma. Transmitir aos pósteros a sensação das realidades da época. O tempo fluido onde se moviam normalmente solidificou-se ao seu redor e os envolveu numa cápsula transparente. Naquele instante já materializado não mais haverá algum passo. Não poder-se-á tirar aquele vestido de 1908 e o de 2004. ficam cravados para sempre como aquelas borboletas que os turistas estrangeiros procuram nos “stands” turísticos do Brasil. O “flash” atravessa como o alfinete. Somente a imagem permanece. No início do século vinte a fotografia era algo novo, mas seu avanço apresentava-se irrefreável tal a obsessão humana pela imagem. O eletrizante sinal luminoso do mundo fotográfico exerce uma influência massiva em nossas vidas. Até insidiosa. Aqui em Manaus, quem não sabe dos que desejando sair em colunas sociais “forçam a barra” de fotógrafos obrigando-os às vezes a dispararem “flashes” fictícios? Tudo para acalmar a crise de egos inflados. Bem o fazem alguns países árabes em que as mulheres tapam o rosto se alguém lhes tira foto. Dizem que alguma coisa lhes é arrebatada, furtada, subtraída. O que você é deixa de ser exclusivamente seu e se entrega aos olhares alheios para ver-se depois num contexto a que não estava destinado. A mulher árabe que se deixa fotografar rompe um tabu. Também possuem suas excentridades, os indígenas puros. Ainda não “civilizados”. Não permitem fotos. Dizem que a máquina fotográfica rouba-lhes a alma. Em nossa cidade uma exposição de fotos de casamentos antigos de famílias manauenses causou-me a reflexão de que a fotografia matrimonial sob o ponto de vista sociológico ocupa um lugar único em nossa cultura. Exerce discretamente seu poder como fetiche que pretende recuperar o tempo. É a forma simples de estudar a evolução de nossa sociedade e evidenciar o magnetismo da imagem e da memória. Falava o escritor Jules Renard em seu “Diário”, que escrever é uma forma de falar sem ser interrompido, por isso persisto em citar o que mais me tocou nessa mostra de fotos: Uma das noivas carregava nos braços um gordo ramalhete de angélicas. Desafio agora os pioneiros Nelson e o Raul introdutores do reinado das rosas em Manaus mas que cultivavan flores nativas com maestria a que me mostrem uma mudinha de angélicas! Flor da terra. Aroma intenso. Vinda do Careiro. Nos barcos atracados no “roadway”. E que estão ali nos braços da singela noiva da exposição. Basta uma muda! Para iniciar o Itinerário do olfato rumo à Geração dos eleitos que exalavam o perfume da simplicidade… Biblicamente falando do livro “Jesus de Nazareth” o teólogo diz que as mulheres judias tinham o hábito, o alegre hábito de vos afazeres, cantarem tudo para a alegria da esperança de dias invejáveis.

CARMEN NOVOA SILVA, é Teóloga e membro da Academia Amazonense de Letras e da Academia Marial do Santuário Nacional de Aparecida-SP

Redação

Jornal mais tradicional do Estado do Amazonas, em atividade desde 1904 de forma contínua.
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