Breno Rodrigo de Messias Leite*
A experiência democrática sempre foi um complicado paradoxo. Tal paradoxo está manifesto na turbulência entre a participação popular e a representação política, entre o demos (povo) e a polis (cidade, governo, administração da coletividade).
Esse paradoxo, uma turbulência criativa e civilizatória, ajudou a produzir um mundo totalmente novo e institucionalmente virtuoso, aberto à contestação pública e ao dissenso entre as lideranças em competição pelo voto e pelo poder.
Tanto na Ágora ateniense quanto nas assembleias das nações democráticas modernas (a Índia é hoje a maior democracia eleitoral do mundo e conta com 815 milhões de eleitores), a vitalidade democrática significou exatamente o encontro entre os representados e seus representantes num criativo mecanismo que combina a promoção da cidadania (input) e efetivação de políticas púbicas (output).
A “fórmula perfeita para o caos” – a invenção do regime democrático, objeto de suspeita de Platão e Aristóteles – transformou-se, por sua vez, numa das maiores conquistas da civilização ocidental.
A forma de se fazer democracia é muito simples. Um punhado de competidores cria uma facção ou um partido político e renunciam abertamente à violência e à barbárie da horda para lutarem competitivamente pelo voto dos cidadãos transformados em eleitores.
A experiência democrática brasileira, acoplada às estruturas de desenvolvimento institucional, também passa por esses paradoxos que se dividem entre a crença popular nos mecanismos institucionais e a lassidão moral.
O imaginário popular superdimensiona os efeitos da democracia em nossas vidas. Acredita que o regime democrático tem respostas para todos os problemas da vida coletiva.
Depois do otimismo pré-eleitoral ou eleitoral vem sempre uma onda de frustrações e descrença popular com o modo fisiológico e pragmático de se montar uma base mínima ou máxima de governabilidade. Testemunhamos no atual e em tantos outros processos eleitorais a manifestação de tal tendência.
O povo contra Nicolau Maquiavel é a crônica de uma morte anunciada. O povo é a massa desejante, enquanto Maquiavel metaforicamente é a psicologia do poder – o poder tal como ele é. Jean-Jacques Rousseau, o devasso genebrino, disse, certa vez, que Maquiavel escreveu para o povo pensando ter escrito para os príncipes.
Em O Príncipe, a obra-prima renascentista de 1513, Maquiavel descreve a fórmula mágica do poder – da sua conquista até a sua manutenção; a maneira como o príncipe, o governante ou chefe de Estado, deve se comportar, pensar e agir; a maneira de se controlar o povo sendo preferível ser temido a amado; a arte da guerra e da expansão militar; a reunificação do império sob o nome de Itália.
O povo ainda alimenta a crença na perfectibilidade da política – numa espécie de solução final. Uma fé inabalável na palavra do governante ou nas suas promessas, decisões e responsabilidades.
A política seria um deus ex machina criado pelos homens para substituir o Criador e a toda a dimensão cósmica que ordena a estrutura da realidade. Essa divinização do poder imanente seria, portanto, um irrefreável caminho da própria modernidade. A auto-ilusão coletiva e a crença no poder, em substituição à crença na Graça espiritual, é parte de nossos problemas.
Rebelar-se contra o status quo é admitir parte desse equívoco – a teologização do poder. Em outras palavras, precisamos perceber que a democracia é um eficiente método capaz de gerenciar os conflitos sociais, amortecer tensões e racionalizar a vida coletiva. Nada além disso!
*cientista político