Breno Rodrigo de Messias Leite*
O Laboratório de Interdisciplinaridade das Ciências Sociais da Amazônia, vinculado à Universidade Federal do Amazonas (UFAM), coordenado pela Profa. Dra. Marilene Corrêa, promoveu na última quarta-feira, dia 8 de maio, a palestra “Ontologia política, ideologia ou metamorfose democrática: o que é o populismo, afinal?”, ministrada pelo cientista político Rafael Marchesan Tauil.
Graduado em Sociologia e Política (FESPSP), mestre em Ciências Sociais (UNIFESP) e doutor em Ciência Política (UFSCAR), Rafael Marchesan Tauil tem se afirmado como um dos maiores especialistas brasileiros em populismo. O centro de sua preocupação acadêmica – da graduação ao doutoramento – foi a produção intelectual de quatro representantes de destaque da Escola Paulista de Sociologia: o cientista político Francisco Weffort; e os sociólogos Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso e Octávio Ianni. Os uspianos foram, indiscutivelmente, os principais estudiosos do populismo e também seus principais críticos ao longo das décadas de 1960 e 1970.
A palestra do prof. Tauil, contudo, não se preocupou em sumarizar a produção acadêmica nacional (já consagrada) sobre o tema. A proposta foi avançar teórica, metodológica e conceitualmente sobre o tema do populismo vis-à-vis os acontecimentos recentes, ou seja, à luz da emergência de líderes que adotam estratégias populistas nos processos eleitorais e na condução dos governos nas últimas décadas. Na prática, o populismo (antes um palavrão pouco compreendido pelos eleitores e evitado pelas lideranças) tornou-se um método, uma estratégia, um senso comum observado em todos os lugares, quer em democracias consolidadas, quer em países democraticamente instáveis.
Diante de tais preocupações é imprescindível recorrer à boa teoria política. E é por esse motivo que o Prof. Tauil aposta numa ciência política conceitualmente mais rigorosa, sistemática em seus métodos de comparação e minimalista em seu escopo de análise.
A tese de Tauil é original e despida de vícios acadêmicos que sempre desvirtuaram o correto exame do assunto no Brasil (Assim como o inferno, parafraseando Sartre, o populista é sempre o outro). Na sua formulação teórica, o pesquisador assume a seguinte premissa de investigação: o fenômeno populista precisa ser entendido a partir de três dimensões: a ontológica, a ideológica e a democrática.
Em primeiro lugar, a dimensão da ontologia política, do filósofo e teórico da política argentino Ernesto Laclau. Na perspectiva laclauniana, a ontologia – “ontologia” é, por definição, a teoria do ser – um elemento fundamental na construção da política moderna, como um todo, e da política do populismo, em particular. Assim, é possível considerar que toda política – toda relação entre o governante e os governados – é permeada estruturalmente pelo populismo. A lógica é bem simples: a sociedade civil demanda suas necessidades (políticas públicas e políticas de bem-estar) ao poder público. Neste ínterim, a dimensão institucional pode funcionar ou não. O comprometimento do funcionamento institucional – sociedade demanda e as demandas não são respondidas – pode fortalecer substantivamente as valências da estratégia populista.
Já a dimensão ideológica, apontada pelo Prof. Tauil, é o segundo fator decisivo para a compreensão do populismo. A “Ideologia”, na avaliação de Cas Mudde, cientista político holandês e especialista em estudos sobre o extremismo político, é um componente fundamental na definição da ação populista à medida que o populismo é uma “ideologia fina”, isto é, não contém uma essência. A expressividade do populismo manifesta-se na camada retórica (comunicativa) que divide o povo e (contra) as elites. Visto de outra forma, os líderes populistas dividem os cidadãos entre as pessoas puras (o povo como comunidade nacional sui generis) e as elites corruptas (artistas, professores universitários, jornalistas), próximo daquilo que Mircea Eliade definiu como “sagrado e profano”. Lideranças populistas, em última análise, operam no nível da discursividade a respeito do que convém, a depender das circunstâncias políticas. O uso oportunista da discursividade em nome do povo é, em algum sentido, uma espécie de vontade geral daquele que encarna a própria vontade popular já definida. Os processos eleitorais servem, assim, apenas para endossar o líder já eleito pelo povo.
Terceira e última dimensão do populismo – a metamorfose democrática – está amparada na análise de Pierre Rosanvallon, historiador francês. Por metamorfose democrática, segundo Rosanvallon, deve-se entender a indeterminação ou a mutação do fenômeno democrático em fenômeno populista. A democracia, quando polarizada, é constituída a partir da simplificação extrema das aporias (o estado de dúvidas) que a sustentam no tempo. É necessário dizer que a política não é uma questão meramente plebiscitária, como no jogo de soma zero. A mecânica da deliberação é longa, demorada e lenta. Deliberar implica em negociar, ganhar ou perder. Por este motivo, os líderes populistas precisam inverter a ordem e o tempo do procedimento democrático. Denunciar os procedimentos democráticos – a assim chamada “democratura” – é uma decisão certa na racionalidade do populismo. Na abordagem de Rosanvallon, analisada e sumarizada pelo Prof. Tauil, a mutação do fenômeno democrático passa pela sacralização do povo, pela desvalorização das instituições políticas, pela ideia de homem do povo e pela soberania nacional expressa na retórica nacionalista.
A combinação das três dimensões do populismo – a ontológica, a ideológica e a democrática – nos apresenta um quadro teórico sofisticado sobre o assunto. É claro que as dimensões históricas e sociológicas – as experiências nacionais – precisam ser observadas em suas especificidades. Todavia, a contribuição do Prof. Rafael Marchesan Tauil busca dar respostas teóricas – análise política comparada e teoria política – aos problemas de ordem concreta das democracias ao redor do mundo.
*é cientista político