O que Trump quer?

Em: 22 de abril de 2025

A ofensiva tarifária de Donald Trump faz parte de uma estratégia mais ampla de confrontação dos Estados Unidos contra a China. Não se trata, evidentemente, de um movimento geopolítico destinado a iniciar um conflito militar com a superpotência asiática, mas, sim, de uma ação geoeconômica que substitui as armas convencionais pela competição econômica.

Ao formular o conceito de geoeconomia, o estrategista militar, cientista político e historiador romeno-estadunidense Edward Luttwak buscava expandir os horizontes dos estudos estratégicos e das relações internacionais no início da década de 1990, em meio a uma profunda transformação do sistema internacional. Com o fim da Guerra Fria, o mundo testemunhou o colapso da União Soviética, a dissolução do bloco socialista e a consolidação da hegemonia dos Estados Unidos por todas as partes. Nesse novo cenário global, as disputas militares entre grandes potências sobreviventes perdiam centralidade, enquanto os conflitos econômicos, comerciais e financeiros ganhavam relevância.

Foi nesse ambiente de uma certa dúvida otimista que Luttwak propôs a hipótese segundo a qual a lógica da guerra estava sendo transferida para o domínio da macroeconomia global. Embora os meios empregados fossem diferentes — tarifas, subsídios, investimentos estratégicos e políticas industriais — o raciocínio por trás das ações dos Estados continuava sendo estratégico, competitivo e orientado pela maximização do poder nacional, como no campo militar. Em suas palavras, tratava-se de uma “militarização da lógica econômica”, na qual instrumentos econômicos são utilizados com intenção geopolítica.

A lógica anárquica por trás da ofensiva de Trump está enraizada na crescente rivalidade entre as duas maiores economias do mundo, não apenas em termos comerciais, mas também tecnológicos e estratégicos. Ao adotar uma política agressiva de imposição de tarifas sobre produtos chineses e de outros países do mundo, até mesmo de nações aliadas dos EUA, o presidente dos Estados Unidos busca pressionar Pequim a modificar práticas consideradas desleais por Washington, como o subsídio estatal a empresas, o desrespeito à propriedade intelectual e a imposição de barreiras à atuação de empresas estrangeiras no mercado chinês.

Além disso, o governo Trump procura de algum modo reconfigurar as cadeias globais de produção, incentivando a “repatriação” da indústria americana, especialmente em setores sensíveis como tecnologia e equipamentos médicos. Reindustrializar a América é a sua meta. Logo, o objetivo é reduzir a dependência dos EUA em relação à manufatura chinesa e, assim, preservar sua autonomia estratégica frente a uma superpotência sofisticada.

Do ponto de vista geoeconômico, a guerra comercial representa uma forma de exercer poder e influência no sistema internacional sem, contudo, recorrer ao uso da força militar. Em vez de tanques e mísseis, utilizam-se tarifas, barreiras regulatórias, sanções e restrições a investimentos como instrumentos de coerção contra um país, bloco econômico ou região. Com a ascensão de Trump, isso reflete uma mudança provisória ou permanente na forma como os Estados Unidos buscam manter sua posição hegemônica no mundo: não apenas como potência militar, mas também como arquiteto dominante das regras econômicas globais.

O que Trump quer não é apenas um acordo comercial mais favorável com a China, mas, sim, reafirmar a primazia econômica dos Estados Unidos em um cenário internacional cada vez mais competitivo, no qual o crescimento chinês é visto como um desafio direto à ordem econômica liberal liderada por Washington desde o pós-Segunda Guerra Mundial.

Trump vale-se justamente de tais instrumentos de poder, reconhecendo que, no século 21, a supremacia internacional depende não só da capacidade militar, mas da capacidade de influenciar, moldar e dominar os fluxos econômicos globais. A abordagem geoeconômica de Donald Trump, embora controversa e, por vezes, unilateral, revela uma inflexão estratégica significativa na política externa dos Estados Unidos. Essa postura reflete uma mudança sensível no comportamento das grandes potências, nas quais o comércio, a tecnologia e os investimentos tornaram-se campos centrais da disputa internacional. Nesse novo tabuleiro global, o que está em jogo não é apenas o saldo da balança comercial, mas a definição de quem dita as regras da ordem econômica mundial.

*é cientista político

Breno Rodrigo

É cientista político e professor de política internacional do diplô MANAUS. E-mail: [email protected]
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